Brasília A diversidade foi a marca da 38.ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que se encerra hoje com a festa de premiação no Teatro Nacional, antecedida pela apresentação hors-concours do documentário O Profeta das Águas, de Leopoldo Nunes.
A produção nacional esteve representada em variados estilos na mostra competitiva de longas-metragens, encerrada ontem com a projeção de Eu Me Lembro, de Edgar Navarro (programada para depois do fechamento desta edição). Os filmes selecionados foram do experimentalismo de A Concepção (José Eduardo Belmonte) e a ousadia estética de O Veneno da Madrugada (Ruy Guerra) até o drama existencial de Incuráveis (Gustavo Acioli) e a simplicidade de Depois Daquele Baile (Roberto Bomtempo), passando pelo realismo documental de À Margem do Concreto (Evaldo Mocarzel).
Durante o fim de semana, a programação da mostra teve boa participação do público, que lotou todas as sessões do Cine Brasília, principalmente a de domingo, para acompanhar a apresentação do trabalho do local Belmonte.
Os Idiotas(Lars von Trier), Trainspotting e Cova Rasa (ambos de Danny Boyle) e Amarelo Manga (Cláudio Assis) podem ser apontadas como algumas das referências do hedonista A Concepção. O filme fala de um grupo de amigos perdidos em meio ao tédio da vida na capital federal. Sob a liderança de X (Matheus Nachtergaele), os jovens criam o Movimento Concepcionista, pregando a morte do ego e da memória, defendendo que cada indivíduo tenha uma nova personalidade a cada dia.
Belmonte faz uma tentativa de cinema revolucionário, mas seu discurso é vazio. Em muitos momentos, a produção se perde apenas em provocações relacionadas a drogas e sexo, com direito a muitas cenas de orgias e bad trips. A experimentação aparece na montagem e no tratamento das imagens (granuladas, desfocadas, em preto e branco, sempre procurando causar incômodo ao expectador). Recebeu aplausos mas a recepção foi menos calorosa do que se esperava.
Sem aliviar
No sábado, Ruy Guerra experimentou algumas vaias com O Veneno da Madrugada, mais um trabalho que realiza a partir da obra de Gabriel García Márquez, dessa vez uma adaptação do livro La Mala Hora. Mantendo-se fiel à geração do Cinema Novo à qual prestou homenagem na apresentação do filme , o diretor moçambicano (radicado no Brasil desde 1956) mostrou um filme que em nenhum momento alivia a vida de um público acostumado às mastigadas produções hollywoodianas.
No fim do século 19, um povoado sul-americano é abalado por uma chuva torrencial e diversas correspondências anônimas sobre os segredos dos habitantes. Durante 24 horas, o antagonismo aflora entre as forças políticas locais: a família Assis liderada pela Viúva (Juliana Carneiro da Cunha) contra o alcaide (Leonardo Medeiros) que governa a cidade. A ironia do texto é um elemento a ser destacado, mas poderia ter sido melhor explorada pelo cinesta.
O tempo não vigora na viagem estética proposta por Guerra, que apresenta um filme quase monocromático, com tons amarelados. As situações vão acontecendo e se repetindo com algumas alterações que confudem o expectador. Outro incômodo é o fato de a produção ser inteiramente dublada, uma interferência clara na interpretação dos atores e uma opção contestável do diretor.
Mundo idealizado
A vida simples e sem muitos sobressaltos. O desejo de um mundo quase perfeito foi a proposta do ator Roberto Bomtempo em sua estréia na direção. Depois Daquele Baile agradou, e muito, a audiência do Festival de Brasília na sexta-feira, que aplaudiu a produção em cena aberta e ao fim da produção.
Baseado em uma peça teatral, o filme fala sobre um triângulo amoroso na terceira idade. Dóris (Irene Ravache), dona de uma pensão, é disputada lealmente pelos amigos Freitas (Lima Duarte) e Otávio (Marcos Caruso). Um lado mais calmo de Belo Horizonte, representado por uma pacata vila de casas, serve de palco para o clima de romance. A trama ainda mostra jantares familiares, sessões de dança caseiras e uma trilha sonora adocicada, com direito a "videoclipe" do trio protagonista (que tem ótimas atuações) brincando em um parque de diversões ao som de "Todo Azul do Mar" (antigo sucesso do 14 Bis).
É fácil entender a empatia do público pelo longa lembrando dos diálogos cheios de mensagens de vida e sabedoria (a cargo principalmente do personagem de Lima Duarte), alguns parecendo terem sido retirados de manuais de auto-ajuda. O boa-praça Bomtempo apresenta um filme simpático e muito sentimental, que deve agradar nos cinemas se for bem distribuído.
O repórter viajou a convite do Festival de Brasília.
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