O videogame está morto. O conceito sobre o qual foi construído o termo, com a base formada pelos vértices console, joystick, televisão e cartucho, entrou em processo de desconstrução há alguns anos. O que era sinônimo de videogame no começo da década passada, como o Playstation 2, virou nicho de mercado. Primeiro foram os controles que sofreram modificações até desaparecerem. Depois, foi a vez do mercado da mídia física que, desde a popularização da banda larga, caminha para a extinção. Os consoles sofrem crise de identidade. A tela, que dá o prefixo "vídeo" aos games, é o último pilar que se mantém intacto desde a década de 70, quando o mundo conheceu o Odyssey, pioneiro no entretenimento eletrônico caseiro. Mas a neurociência também quer derrubar este último paradigma.
A morte, no entanto, representa uma vitória. A popularização dos jogos eletrônicos levou a uma disseminação de plataformas nunca vista. Tablets, celulares e televisores podem ser chamados, sozinhos, de videogames? Certamente, as empresas que produzem os aparelhos afirmariam que não, caso fossem indagadas, já que limitaria o público-alvo apenas a jogadores. Mesmo assim, os gadgets representam grande fatia no faturamento dos desenvolvedores de jogos. Os games se tornaram ubíquos, estão presentes em todos os lugares. "Agora explodiu o número de telas. É tudo espalhado. Tem que estar em todos os lugares. A estratégia é dividida por públicos: alta definição, casuais e on-line", explica Bertrand Chaveirot, diretor-geral da Ubisoft no Brasil, empresa que desenvolve jogos em mais de dez plataformas atualmente.
A pulverização de mercado foi tamanha que colocou uma pá de cal até na conhecida classificação de gerações. Muitos ainda se lembram da época dos 8-bits, com Nintendo e Master System disputando a atenção. "Já não sei em que geração estamos. Teria que recontar", brinca Marcos Khalil, dono da rede de lojas UZ-Games, há 27 anos no mercado. Frequentador assíduo da E3, maior feira de games, da qual acaba de chegar, Khalil considera o futuro ainda mais nebuloso: "Ninguém quer mostrar nada de novo para ver o que o outro vai fazer".
A Nintendo, porém, mostrou o que pretende, deformando ainda mais o que resta do conceito clássico de videogame. O Wii U, a ser lançado no próximo ano, é um console camaleão. Tem duas telas, uma delas embutida no joystick, que podem ser interdependentes ou em sinergia. Em vez de concentrar tudo num aparelho, como o Xbox360, que se pretende uma central de mídias, o Wii U se desmonta em periféricos que poderão ser espalhados pela casa, usados para funções diferentes e compatíveis com outros produtos, como o 3DS, portátil da Nintendo que exibe imagens em 3D sem ajuda de óculos especiais. As possibilidades parecem infinitas, como descreve o editor-chefe do site Kotaku Brasil, maior veículo especializado em jogos eletrônicos no Brasil, Renato Bueno: "Ele (Wii U) tem todos os controles de um controle normal até uma tela sensível ao toque, numa abordagem meio tablet. Esses avanços tecnológicos abrem caminho para diversas aplicações inéditas. Como usar o controle como uma segunda tela".
As segundas telas estão sendo estudadas por diversos meios, até por emissoras de televisão, para oferecer mais conteúdo ao mesmo tempo para o consumidor. "São novas formas de interação. Um exemplo seria num jogo de futebol. O jogo está na tevê, com a visão do campo normal, e na tela do controle você teria o esquema tático. Poderia mudar o esquema direto no controle, tocando na tela", diz Bueno. "É meio que um ecossistema interligado".
Os outros "players" traçam caminhos distintos. A Sony, apesar de apostar nos sensores de movimento, investe mais em tecnologia de ponta. O Vita, revelado recentemente, é um PS3 de bolso e conversará com os mais diferentes tipos de aparelhos. Com conexão 3G, poderá ser usado também para comunicação. Já a Microsoft investe cada vez mais na extinção dos controles físicos. O sucesso de vendas do Kinect popularizou de forma rápida a ideia de se jogar usando apenas o corpo. Além dos jogos, o periférico do Xbox 360 caiu no gosto dos hackers, que desenvolveram recursos inovadores, como controlar robôs reais usando apenas gestos.
O gerente de Xbox360 no Brasil, Guilherme Camargo, garante que há muito mais: "A tecnologia só está no seu primeiro momento. Alex (Kipman, curitibano que criou o Kinect) já adiantou que terá três evoluções, por isso, podemos esperar por novidades em um futuro próximo". A junção de console, joystick, televisão e cartucho parece cada vez mais ultrapassada.
A Steam, loja on-line considerada mais valiosa que a Apple, segundo a Forbes, luta para a sepultar os cartuchos. O sistema permite que um jogo comprado possa ser jogado em diversos aparelhos, não ao mesmo tempo. É mais barato, mais rápido e não ocupa espaço físico nas casas dos consumidores. E o pessoal da Onlive quer dar um passo a mais no sistema de distribuição. Não seria preciso nem baixar o game. Muito menos ter um computador. A empresa quer emplacar a ideia de uma caixa que se conecta em qualquer tela (até num iPad) e que pode ser jogada tendo apenas uma conexão de alta velocidade com a internet. O consumidor paga uma mensalidade e pode desfrutar de todos os jogos lá disponíveis.
Cérebro
"Deus está morto", afirmou o filósofo alemão Friedrich Nietzsche no livro "Assim falava Zaratrusta". O objetivo do autor não era enterrar a figura religiosa, mas mostrar que a sociedade moderna não se baseava mais em crendices. Uma aspirina era mais efetiva para o combater uma dor de cabeça do que uma oração. Da mesma forma, a indústria, crítica e consumidores ainda chamam de videogame algo que já não existe mais. Um iPad é um videogame? E se os jogos eletrônicos nos trouxessem experiências reais, sem uso de consoles ou telas?
Para o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, considerado um dos 20 maiores cientistas vivos pela revista Scientific American, o mundo está perto de quebrar os últimos paradigmas da relação homem-máquina. "Imagine se você pudesse experimentar toda a gama de sensações despertada por um simples toque da superfície arenosa de um outro planeta sem ao menos sair de sua sala de estar", escreveu em seu livro Muito Além do Nosso Eu.
Pesquisas realizadas por ele na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, mostram que é possível fazer com que o cérebro se liberte do corpo e assuma o papel de um outro mesmo não estando ligado fisicamente. Dessa forma, o cérebro estaria apto a experimentar sensações além de seu próprio corpo. No ambiente dos games, um chip poderia ser introduzido no jogador para que tivesse experiências reais num ambiente controlado (ou apenas sugerido) pelos produtores. Seria uma ligação direta cérebro-máquina. Neste cenário, o termo videogame perderia todo o sentido, sobrando apenas a definição "jogos eletrônicos (ou químicos, biológicos...)". "Acredito que o cérebro pode ser definido como o mais fenomenal simulador produzido pela evolução", resume Nicolelis. O Odyssey não deixará saudades.
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