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Adaptar a prosa única de Guimarães Rosa para o teatro requer ousadia. E uma generosa dose de petulância. O complicado não é exatamente transpor para o palco a história, o enredo. Até porque, pelo menos na superfície, as tramas criadas pelo autor mineiro não são herméticas, ou inacessíveis, mas profundas e complexas em sua aparente simplicidade. O difícil, senão quase impossível, é não sacrificar a linguagem, a beleza e a precisão no uso das palavras, o ritmo quase musical da narrativa do velho Rosa, que soube usar o idioma como poucos escritores brasileiros de qualquer tempo.

O diretor carioca André Paes Leme, hoje radicado em Portugal, não se acanhou diante desse desafio. A obra escolhida foi o conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga, cuja versão para o teatro estréia hoje na Mostra Oficial do FTC 2007.

Levada ao cinema em 1965 por Roberto Santos, A Hora e a Vez de Augusto Matraga materializa-se no palco em um formato que pode causar estranhamento ao admirador mais ortodoxo da obra de Guimarães Rosa. Acreditem ou não, o espetáculo pode ser descrito como um musical, embora não seja delimitado pelas convenções desse gênero de encenação.

Para contar a história do coronel do sertão de Minas, um homem violento e boêmio, que depois de ver a morte de perto, busca uma aproximação de Deus, Paes Leme recorreu à música no que ela tem de mais próximo à prosa de Rosa. Tanto que todas as canções são transposições literais do texto original do conto. "A intenção é justamente mostrar a música, o ritmo que existe no uso das palavras do autor", conta o diretor ao Caderno G. Até mesmo os neologismos foram mantidos.

Para viver Augusto Matraga, Paes Leme chamou o ator baiano Vladimir Brichta, mais conhecido pelo grande público por suas participações em telenovelas (como Belíssima) e programas da Rede Globo, apesar de ter feito carreira nos palcos de Salvador.

Dar corpo e voz ao protagonista criado por Rosa não é das empreitadas mais simples. Trata-se de um personagem ambíguo em sua essência, que depois de ver seus valores pulverizados diante do risco de morrer, empreende uma jornada em busca de si mesmo. "É interessante que ele não consegue negar sua natureza, pois é a violência dele que acaba santificando-o", disse Brichta, em entrevista recente ao jornal O Globo.

Indagado se não tem medo de que a densidade do texto original de alguma forma acabe banalizada pelo formato de musical, Paes Leme afirma que a direção musical, ao encargo de Alexandre Elias (um dos idealizadores do projeto), leva em conta as origens do universo de Guimarães Rosa, povoado por homens comuns, populares, que contam histórias. Os números musicais não têm, explica o diretor, a função de interromper a narrativa, mas de fazer avançá-la, sendo parte integrante – e essencial – da montagem.

Serviço – A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Hoje e amanhã, às 20h30, no Teatro da Reitoria (Rua XV de Novembro 1.299). Ingressos: R$ 26.

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