A leitura veio a posteriori, mas reflete a "verdade musical" de João Cavalcanti: o músico carioca, membro do grupo de samba Casuarina e filho do pernambucano Lenine, tem um ímpeto musical multifacetado que fatalmente se refletiria no seu primeiro disco solo de inéditas Placebo.
"Em nenhum momento dissemos: vamos fazer um disco plural, que brinque com todos os gêneros", conta Cavalcanti, em entrevista por telefone para a Gazeta do Povo. "A minha formação musical é plural, dialoga com muitas coisas. Consequentemente o álbum saiu assim."
O músico se refere ao passeio por gêneros que o disco faz: tango, pop, noise, samba e frevo. A única costura, de acordo com Cavalcanti, é o aspecto confessional das letras.
Para ele, no entanto, não há problema. "Admiro muito quando pego um disco como o The Dark Side of the Moon (Pink Floyd), o Música de Brinquedo, do Pato Fu. São álbuns em que o artista idealiza e consegue realizar o conceito idealizado a priori," explica o músico, que assina a direção artística do disco produzido por Plínio Profeta.
"O Placebo não é isso. É um disco de canções que eu vinha compondo há algum tempo e que quis gravar. Que, pela própria vocação instrumental e conceitual do Casuarina, não cabia no grupo. Portanto, tive a urgência de gravá-las em uma outra circunstância, com outros músicos, de outra forma", diz Cavalcanti, refutando a ideia de que um disco com sonoridade tão distante de seu projeto principal o afasta do Casuarina.
Pop
Cavalcanti reconhece que o guarda-chuva do pop acaba oferecendo uma liberdade maior que gêneros mais específicos, embora não enxergue o Casuarina como representante de alguma tradição.
"Quando se enquadra num universo pop, tem-se a liberdade tácita de juntar qualquer coisa. Isso é fundamental para percorrer lugares menos explorados."
O pai, Lenine, que ecoa no trabalho de Cavalcanti, é citado entre diversas referências: Pedro Luís, Jorge Drexler, Beach Boys e Sting. "Tão cretino quanto copiá-lo seria refutá-lo deliberadamente, pelo fato de ser meu pai e de eu não querer viver à sua sombra."
Repertório
João Cavalcanti comenta cada faixa de Placebo:
"Demônios"
"Um tango contemporâneo com uma batida programada."
"Placebo"
"Um samba o único do disco pouco convencional. Tem poucos elementos, mas todos falando muito, colaborando com o clima denso da letra."
"Luna"
"Talvez a que se enquadre melhor no que se chama de pop contemporâneo. Diz muito respeito à minha relação com a plenitude que há na solidão da noite."
"Síndrome"
"Tem uma pegada mais ao rock e uma letra imagética, com uma sucessão de sensações que não respondem a uma linearidade."
"Em Tempo"
"Uma espécie de valsa-vinheta, com acordeão gravado à moda antiga."
"Criança"
"Feita durante a gestação do meu primeiro filho. Reverbera minhas convicções sobre música. Feliz é a criança, que não precisa rotular apenas absorve o que é conveniente."
"Você Alterego de Mim"
"Gravamos sem harmonia, com uma colagem de riffs. De uma certa maneira, uma referência à minha maneira de compor."
"Binário"
"Reflete uma influência que tenho e que as pessoas não conhecem. Sou fã de Björk, Radiohead, Nine Inch Nails bandas noise, que tratam o ruído como música."
"Mulato"
"Responde mais à minha historia no Casuarina. Acústica, acaba sendo dissonante na sequência, embora consonante com o resto da minha carreira. "
"Inemurchecível"
"Um híbrido entre a assinatura da música de Davi Moraes com o funk carioca. Um funk com acento baiano, essencialmente para dançar."
"Frevo do Contra-Êxodo"
"É como se fosse a volta para uma casa que não é minha. Sou filho de um pernambucano que morou metade da vida no Rio de Janeiro. Mas me sinto tão à vontade no Recife quanto no Rio. E chamei o Casuarina o que é engraçado, porque somos um grupo de samba."
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