Um desfile de carnaval tendo como tema a cidade de Curitiba não poderia ser mesmo normal. E não foi. Programado para começar às 3h55, ainda na alta madrugada, a escola de samba Nenê de Vila Matilde só entrou no sambódromo do Anhembi, em São Paulo, às 5h30, com o dia quase raiando.
O motivo do atraso foi a recusa do presidente da escola, Rinaldo de Andrade, o “Mantega”, em entrar com o chão molhado. Um carro alegórico que “chorava” da Vai Vai, que desfilou imediatamente antes, deixou uma mistura de água e óleo no cimento do sambódromo, tornando-o escorregadio. Foi preciso esperar o chão ser limpo e seco para que Mantega aceitasse colocar sua escola na avenida.
Quando tudo ficou pronto, o que se viu foi uma bela homenagem feita pela agremiação da Zona Leste de São Paulo à capital paranaense. Com o enredo “Coré Etuba — A Ópera de todos os povos... Terra de todas as gentes... Curitiba de todos os sonhos!”, os mais de três mil integrantes da escola retrataram, com fantasias caprichadas e carros alegóricos inspirados, uma Curitiba dos sonhos.
Pena que a Curitiba que foi pintada no desfile não exista mais. Isso, claro, não é culpa da escola. É culpa única e exclusiva dos curitibanos.
No Anhembi, um carro alegórico no formato de uma estação tubo prestava homenagem ao transporte de Curitiba, sempre considerado exemplar. No entanto, o transporte público da cidade vem perdendo passageiros, mesmo com o aumento da população. E o único título de relevância conquistado recentemente é o de tarifa mais cara entre as capitais . A melhor alegoria talvez fosse a de um ônibus caindo aos pedaços.
A formação de Curitiba, repleta de imigrantes de outros países, foi destaque de várias alas: a ala da imigração ucraniana, com destaque para as pêssankas; a da imigração oriental, a da italiana, o vinho e polenta de Santa Felicidade foram homenageados; e os imigrantes do Oriente Médio, turcos, libaneses e sírios, também foram lembrados. Porém nesta mesma cidade formada por gente do mundo todo, 13% da população é contra a vinda de imigrantes e 36% têm ressalvas, segundo pesquisa de 2014.
A fama de Capital Ecológica também foi rememorada no Sambódromo. Havia uma ala destinada a lembrar da reciclagem. Neste quesito, Curitiba tem um passado glorioso e um presente com pouco a se orgulhar. Um estudo feito com capitais de porte semelhante mostrou que a taxa de reaproveitamento de materiais aqui é somente melhor do que no Recife. Se nos 1980 Curitiba reciclava quase 10% do total coletado, hoje o índice caiu para 5,7%.
Se é preciso mais uma prova dessa decadência, depois da ala que homenageava o poeta Paulo Leminski, um dos destaques em dos carros que vinham em seguida era a youtuber Kéfera. Até no quesito exportação cultural Curitiba já não é mais a mesma.