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Obama, como bom representante do Partido Democrata, demonstra clara preocupação em tornar seu país mais justo na distribuição de renda e de serviços públicos | Tim Sloan/AFP
Obama, como bom representante do Partido Democrata, demonstra clara preocupação em tornar seu país mais justo na distribuição de renda e de serviços públicos| Foto: Tim Sloan/AFP

Em 1956, o historiador Arthur Schlesinger escreveu um artigo em que tentava explicar aos europeus o que era o liberalismo norte-americano. "De certa forma, toda a América é liberalismo", começava o texto. Sem revoluções sociais, como na Europa, os Estados Unidos fundaram um sistema político em que os principais partidos concordam com ideias básicas que só podiam receber o nome de liberalismo. Democratas e republicanos, argumenta Schlesinger, tinham um consenso que embasava uma espécie de discordância criativa em que liberais (democratas) eram mais abertos a mudanças rápidas do que os conservadores (republicanos).

Assim, os EUA têm hoje um presidente liberal, segundo sua tradição política. Barack Obama, como bom representante do Partido Democrata, demonstra clara preocupação em tornar seu país mais justo na distribuição de renda e de serviços públicos. Esse programa se tornou crucial nos últimos anos para que o partido se diferenciasse dos conservadores dos anos George W. Bush, que adotaram uma política de concentração de renda ao reduzir os impostos sobre os mais ricos – uma linha econômica que tem uma ligação vaga com a ideia de que a recompensa por mérito é um incentivo para o desenvolvimento.

O termo "liberal" andava em desuso nos Estados Unidos porque está ligado aos intelectuais e políticos de esquerda. A contradição do termo fez com que os economistas que defendiam uma redução dos governos mastodônticos do pós-guerra fossem chamados de "neoliberais" – já que se referiam ao liberalismo clássico. Pois agora já se fala em um "novo liberalismo" nos Estados Unidos. Seria a retomada de políticas públicas distributivas tão detestadas pelos conservadores da era Bush.

No fim do ano passado, a revista The New Yorker especulou sobre o que seria o novo liberalismo sob Barack Obama. Como poucas vezes na história norte-americana – e aqui o paralelo com Franklin Roosevelt é óbvio – um presidente assumiu os EUA com tanta expectativa pública. A aposta da New Yorker era que Obama apresentaria um modo muito mais pragmático e conciliador do que Roosevelt, ao mesmo tempo que menos ideológico em seu discurso. O lado conciliador ficou claro quando ele chamou para seu time ex-membros da equipe de Bill Clinton, como Lawrence Summers, defensores de um Estado responsável nos gastos. Mais recentemente, a resistência do governo em assumir a estatização de bancos quebrados mostrou como Obama está atento a opiniões à direita do Partido Democrata.

O novo liberalismo ainda não ganhou forma. Na semana passada, a New Yorker voltou ao tema da linha política de Obama, chamada de "Obamismo" pela revista. E o que se viu nos primeiros cem dias de seu governo foi uma espécie de ativismo pragmático. Seu governo lançou um enorme pacote de estímulo fiscal, criou novos planos para intervir no mercado financeiro e está dando uma mão para as montadoras. Ao mesmo tempo, é criticado por liberais de esquerda, que pedem uma ação ainda mais ousada contra a crise, e por conservadores que veem em seu governo um caminho certo para o socialismo. "O que se vê em tantas decisões de Obama é uma conexão com as instituições que unem a sociedade americana, um desejo de fazê-las funcionar melhor, ao invés de refazê-las do começo", escreve George Packer, jornalista da New Yorker.

O fechamento da prisão de Guantánamo, na Ilha de Cuba, é uma demonstração dessa vontade. Mas as propostas de mudança apresentadas na campanha de 2008 vão mais longe. Obama prometeu diminuir a desigualdade e melhorar serviços como o atendimento de saúde, decisões que implicam uma ação ampla do Estado. É a capacidade de avançar nessas questões, segundo o cientista político Alan Wolfe, professor do Boston College, que vão mostrar a cara do Obamismo, ou novo liberalismo. "Obama foi moldado pelo liberalismo ao mesmo tempo em que cria sua própria forma de ação. Um de meus argumentos é que o pensamento liberal não é fixo. Ele tem um lado pragmático, que se ajusta de acordo com as experiências", diz Wolfe (leia entrevista completa abaixo).

Fronteiras

Obama tem a chance de redefinir as fronteiras entre direita e esquerda no pensamento liberal que, como advertia Schlesinger, não é fácil de ser identificada. Vistos da Europa, onde o socialismo ocupa a esquerda, os democratas norte-americanos seriam o centro do espectro político. Na concepção europeia, a economia de mercado é naturalmente mais regulada do que nos EUA, embora sua base não deixe de ser o liberalismo clássico. Assim, a forma de se fazer política liberal varia de acordo com o lugar e com o contexto.

"O liberalismo é uma corrente de pensamento que se adapta aos contornos históricos", diz o cientista político Sérgio Cândido de Mello, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). "Em geral, a esquerda ficou mais ligada ao tema da igualdade, e a direita com a liberdade econômica e o grau de diferenciação varia de país para país", explica. Ao fundo, fica o debate sobre a liberdade do indivíduo.

A esquerda liberal argumenta que a concentração econômica resulta em acúmulo de poder político e defende que a garantia de condições mínimas de vida são fundamentais para que as pessoas tomem decisões livres. É uma linha bastante presente nos discursos de Obama, que não perde a chance de cutucar os lobbistas e a velha política de Washington. Mas que os socialistas da velha guarda não se enganem: a defesa da economia de mercado continua a base da política americana.

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