
Há um momento simbólico em Flor de Fogo, quarto disco de Chico Pinheiro. "Mamulengo", quarta faixa do álbum, é uma espécie de maracatu em que o violonista despeja também toda sua técnica vocal, com a qual ele faz lembrar as ladainhas de algum rincão do interior brasileiro. Piano e bateria, então, surgem como de outro mundo e fazem uma cama jazzística arredondada com as improvisações do sax tenor de Bob Mintzer. A mistura refinada resume o novo trabalho do instrumentista e arranjador paulistano, que desponta como uma das referências da nova música popular brasileira.
Aos 35 anos e com três discos lançados, Pinheiro já foi reconhecido por gigantes como Edu Lobo, Moacir Santos, Brad Mehldau e Cesar Camargo Mariano. Sua originalidade e maturidade musical é escancarada em Flor de Fogo, disco lançado simultaneamente pelo selo japonês CT Music em 35 países e que colhe críticas positivas na maioria absoluta deles.
"Meu pai me falou que temos de encarar o fracasso e o sucesso com naturalidade, porque eles fazem parte da vida. Dedico-me muito à arte que escolhi e sou privilegiado por fazer o que amo", disse o músico, de sua casa em São Paulo.
Formado pela Berklee College of Music, de Boston, Pinheiro começou autodidata aos 7 anos. Ouvia jazz e MPB bingo! vindos dos vinis que rodavam na radiola de casa. Não faltavam Garoto, Tom, Chico, Gil, Thelonious Monk, John Coltrane e Miles Davis. "Comecei a tirar tudo de ouvido. A memória musical guarda muito mais facilmente as melodias", conta.
O novo disco sucede os álbuns Meia Noite Meio Dia (2003), que tem participações de Lenine, Ed Motta, Chico César e Maria Rita esta, aliás, pegou carona no cometa chamado Chico para alavancar sua carreira; Chico Pinheiro (2005), festejado por imprensa e público e que causou burburinho na Europa; e Nova (2007), desta vez em parceria com o guitarrista e compositor norte-americano Anthony Wilson que toca com Diana Krall. Como se vê, parceiros não faltam. "É tudo uma questão de afinidade artística e pessoal. A gente não se procura, a gente se acha", diz Pinheiro, que em Flor de Fogo conta com participações das cantoras Dianne Reeves e Luciana Alves, e do saxofonista e clarinetista Bob Mintzer que conheceu o trabalho de Chico Pinheiro pelo Myspace depois de o brasileiro ter feito seu trabalho de conclusão de curso baseado na obra do norte-americano.
Suor
Uma frase atribuída a Edu Lobo diz, mais ou menos, que nenhuma música foi atrás de seu criador. É sempre o contrário: o músico é quem persegue a ideia, a criação. Pinheiro assina embaixo. "Criar, para mim, é um processo solitário e difícil. Ás vezes já tenho a parte A da música e me falta a B. A procuro por dias. Tento um acorde e outro. É uma eterna busca. Quando acho, abro um vinho ou vou jantar com a namorada pra comemorar", conta o compositor.
A rotina de alguém que já dividiu projetos e gravações com Rosa Passos, Dorival e Danilo Caymmi, João Donato, Cachaíto Lopez (do Buena Vista Social Club), e Esperanza Spalding é intensa, como era de se esperar.
"Costumo acordar e tocar. É o meu café da manhã. Estudo pelo menos duas horas por dia. Há que existir esse lado atleta, da execução, para facilitar a criação. Mas gostaria de ter mais disciplina na composição. Tenho dezenas de fitas com músicas inacabadas", conta o paulistano.
Pinheiro toca mais fora do Brasil do que em seu país. "A estrutura lá é melhor, mas isso não é algo que a gente escolhe", diz, e o músico se prepara para uma turnê de lançamento na América Central, em fevereiro; Os Estados Unidos o verão em abril; a Europa, em maio e em novembro. E no meio disso tudo, haverá shows no Brasil, ainda bem.



