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Quando Alberto Mussa descobriu, por meio de um exame laboratorial, que era mais índio do que árabe (e isso faz tempo), recuperar o imaginário tupinambá se tornou, mais do que um desafio, um projeto de vida. Após quatro obras ficcionais, todas endossadas pela crítica, ele passou os dois últimos anos reprocessando informações que absorveu sistemática e indiretamente em seus 47 anos de vida. Agora, o autor vê o projeto materializado. Acaba de ser publicado Meu Destino É Ser Onça, um ensaio com toques de literatura, sobretudo no que diz respeito ao texto, bem escrito, musical e ágil.

Meu Destino É Ser Onça traz a invenção do mundo a partir do olhar e das referências de indígenas brasileiros. Esse imaginário é tão rico quanto o de outros livros fundadores do Ocidente. Em vez de verbo, no início desse mundo tupinambá, havia outra nuance. "No princípio, o universo era provavelmente muito escuro." Há uma pasárgada, território paradisíaco, onde não se trabalha nem se adoece: "a terra-sem-mal". Muitos seres desse mundo inicial brasileiro, ao desrespeitarem limites, são transformados (como punição) em animais – como se dá na mitologia grega.

A exemplo de mitologias africanas, em que há explicação de por que determinados seres serem o quê e como são, esse mito brasileiro revela a origem da ave saracura, que um dia foi humano: "Saracura ficou todo queimado e imediatamente se transformou numa ave – que ainda tem, no bico e no pé, as marcas da queimadura provocada pelo canitar."

O imprevisto

O ex-presidente Fernando Collor de Melo é, diretamente, responsável pelos rumos da vida do autor de Meu Destino É Ser Onça. Naqueles anos 1990, já formado em Letras, com mestrado defendido, Mussa sonhava desenvolver uma trajetória dentro da academia. Cursando doutorado, ele foi surpreendido com o confisco da caderneta de poupança e teve de abandonar os estudos. No período, entre outras atividades, escrevia os verbetes da letra "d" para o Dicionário Houaiss.

Lentamente, as leituras despertaram, estimularam e – enfim – viabilizaram o que viria a ser seu novo livro. Recorreu do fundamental A Religão dos Tupinambás, de Alfred Métraux (da clássica Coleção Brasiliana) a outras fontes. Estudou as línguas da costa ocidental da África (que influenciaram o português brasileiro), incluindo o iorubá, constante nos cantos do candomblé, que ele frequenta desde pequeno. Aprendeu árabe. Leu muita mitologia e história. Sem parar.

Nesse meio tempo, Mussa fez e se envolveu visceralmente com a produção de obras literárias. É autor de um livro de contos (Elegbara), e dos romances O Trono da Rainha Jinga (que abocanhou o concurso de bolsas da Biblioteca Nacional), O Enigma de Qaf (Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte – APCA) e O Movimento Pendular (Prêmios APCA e Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional).

Desde 2006, Mussa investiu energia em uma outra empreiada. O estopim talvez tenha sido um dado. O reconhecido geneticista Sérgio Danilo Pena prova que 33% dos brasileiros, que se autodenominam brancos, descendem diretamente de um antepassado indígena. "Entre os clasificáveis como ‘negros’, esse percentual é de 12%", completa Mussa. Indignado com um possível complexo de vira-latas dos brasileiros, que preferem e querem ser europeus, norte-americanos e até mesmo alienígenas (tudo menos brasileiro), Mussa estava convencido: era mais do que urgente evidenciar essa nossa matriz via mitologia.

Viva o debate

Mussa não vai participar de qualquer sessão de lançamento tradicional – autógrafos para amigos e parentes em meio a vinho branco e água mineral dentro de uma livraria. Ele só vai sair de dentro de seu apartamento no Leblon, na zona sul carioca, para eventos em que seja possível discutir o conteúdo de Meu Destino É Ser Onça, seja em eventos literários ou onde haja interesse e espaço para o debate.

"O Brasil é um país índio", afirma. Afinal, esses mais de dez mil anos de cultura nativa escondem todo um passado que precisa ser estudado e, acima de tudo, discutido. Meu Destino É Ser Onça que o diga.

Serviço

Meu Destino É Ser Onça. Alberto Mussa. Record. 272 págs. R$ 39.

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