Uma ação além do samba
Para pesquisadores, Maé da Cuíca foi protagonista de um processo profundo na sociedade curitibana
Linha do tempo
Conheça alguns fatos da trajetória de Maé da Cuíca e da Escola de Samba Colorado
Há exatamente um ano, em 21 de dezembro de 2012, morria aos 85 anos Ismael Cordeiro, o Maé da Cuíca (1927-2012). Considerado o personagem mais importante do samba em Curitiba, o músico, nascido em Ponta Grossa e criado na extinta Vila Tassi, já recebeu tributos em 2013 e deve ser homenageado novamente amanhã, em uma roda de samba organizado por um de seus filhos, Binho. Maé também deve ser um dos principais nomes de um documentário em fase de produção sobre a velha guarda da cidade, e teve suas canções gravadas em um CD a ser lançado no ano que vem. E, independentemente das efemérides, seu nome é lembrado a cada roda do Samba do Sindicatis nos bares Santomé e Botafogo, em meio a canções de Ismael Silva, Cartola, Nelson Cavaquinho, Bide e outros.
"Primeiro cantamos as músicas do Maé. Somos carentes de referência, e ele é a maior referência no estilo de samba aqui de Curitiba", explica o músico Ricardo Salmazo. "O nome dele é o mais correto ao se falar em como se faz samba em Curitiba."
Salmazo é integrante do Samba do Sindicatis e de grupos como Combinado Silva Só de acordo com o pesquisador João Carlos de Freitas, alguns dos projetos que podem ser vistos como descendentes da linha iniciada por Maé da Cuíca à frente da Colorado, a primeira escola de samba de Curitiba, fundada em 1946 e ausente dos desfiles de carnaval desde 2001.
Celeiro
Conhecida pela "bateria nota 10" que garantiu boas colocações nos desfiles de carnaval apesar da pobreza da escola para fantasias e carros alegóricos , e única por sua composição predominantemente de negros e trabalhadores ferroviários, a Colorado teria sido celeiro do samba mais autêntico da cidade romanticamente tocado sob a sombra das árvores e o olhar de cada vez mais curiosos que passaram a acompanhar as rodas no início dos anos 1940.
"A Vila Tassi [local onde hoje fica o Moinho Anaconda, próximo à Rodoferroviária] não existe mais. Mas há remanescentes daquilo, talvez os filhos, netos de seus integrantes que estão por aí, fazendo samba", diz Freitas, autor do livro Colorado A Primeira Escola de Samba de Curitiba, lançado em 2009. "A escola acabou, mas o samba da Vila Tassi, não", diz, citando o projeto que originou a publicação.
O empresário e músico Rubens Cordeiro, o Binho, filho de Maé, conta que o músico era respeitado até pelas escolas rivais. Sua rigidez como mestre de bateria se tornou referência. "Ele era também uma pessoa que tinha uma capacidade grande para ensinar", conta Binho.
Este virtuosismo rítmico foi base para outro pioneirismo na trajetória de Maé que ressoa hoje o nascimento dos grupos de samba em Curitiba, que passaram a movimentar a noite da capital a partir dos anos 1970. O primeiro foi o Maé e Seus Batuqueiros que roubou a cena no Festival de Novos Compositores da Mangueira em 1977, quando defendeu "Não Vou Subir", samba de Cláudio Ribeiro e Homéro Reboli que acabou sendo o vencedor.
"Depois é que vieram o Super Sambão D. Pedro II [do qual fizeram parte nomes como Nelson Alípio e Didi do Cavaco], o Grupo Caçamba, e, na década de 1980, o Sambão da Mocidade e os Arteiros do Samba", conta Freitas.
Uma das organizadoras do projeto Samba da Tradição, que faz homenagens mensais a membros da velha guarda do samba e do carnaval de Curitiba, a antropóloga Caroline Blum diz que há hoje em Curitiba uma rica cena com nomes de alguma forma ligadas a Maé. Do próprio Binho a Cláudio Ribeiro, passando por nomes como Ciro Morais, Susto, Mãe Orminda, Mestre Divino, Marcio Mania e outras dezenas. "Pelo pioneirismo e coragem que Maé teve na época se, em pleno século 21, a discussão sobre o Dia da Consciência Negra, por exemplo, é ainda superficialmente discutida pelos órgãos oficiais, imprensa e opinião pública, imagine o preconceito naquela época todos nós somos frutos de sua luta, fruto do seu amor pelo samba", diz, por e-mail.
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