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“Farsa da Cruz”, tela com a cruz cristã sobreposta à suástica, foi criada especialmente para a mostra por João Osório Brzenzinski | Daniel Derevecki/Gazeta do Povo
“Farsa da Cruz”, tela com a cruz cristã sobreposta à suástica, foi criada especialmente para a mostra por João Osório Brzenzinski| Foto: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo

Jogo de espelhos no MAC

Um jogo é proposto ao visitante da mostra Pintura Quase Sempre... E Eles Construíram a Modernidade no Paraná logo que ele entra no Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC. Ali, no hall, três duplas de quadros foram colocadas lado a lado e, em frente a cada uma, cabe ao público intermediar o "bate-papo" entre as obras.

Suba o primeiro lance de escadas e pare diante das telas dos decanos da arte paranaense, Ida Hannemann de Campos e Antonio Arney. De imediato, saltam aos olhos as diferenças. Na pintura "Ao Meio-Dia", paisagem de Ida beirando a abstração, o curador Fernando Bini aponta a presença marcante das pinceladas, das cores violáceas e "de um frescor espantoso". Tanta delicadeza parece não ter relações com a rudeza da tela vizinha, uma colagem de madeira e parafusos de Arney, que extravasa ao destruir o próprio suporte.

"Ele não usa pincel, usa tingimento para dar cor ao papel e a madeira. Ao mesmo tempo, mantém o conceito tradicional de arte ao criar uma moldura que dá a ideia de janela. Diz-se que a pintura é uma janela aberta para o espaço", diz Bini.

Mas, aos poucos o olhar do visitante começa a perceber semelhanças em obras aparentemente tão díspares, que passam pela própria razão desta exposição, que é refletir sobre a força da pintura. Se Arney enfatiza que "pintura não é só tela e pincel", Ida mostra que é possível manter-se fiel à tradição pictórica com quadros que, "mesmo pintados nos anos 40, guardam o mesmo colorido intenso e fresco de suas obras recentes", escreve Bini, no catálogo da exposição.

Volte ao hall e faça o mesmo exercício diante das telas de Domício Pedroso e Fernando Velloso. "O primeiro é gráfico e, em algumas obras, pinta inclusive em cima de serigrafia. Velloso, ao contrário, gosta de lidar com a matéria pictórica, cria uma pintura de efeito", analisa Bini. Por fim, se João Osório Brzezinski valoriza o desenho, a linha, a palavra; Fernando Calderari dá ênfase a pincelada fina, ao traço quase gráfico.

  • Molduras de Antonio Arney são como a pintura: uma janela aberta para o espaço

Temia-se que a chegada da televisão determinasse o fim do cinema. Hoje, há quem sentencie a morte do livro para dar lugar aos e-books. Se fosse por decretos como esses, a pintura já teria sido enterrada algumas vezes, a começar quando surgiu a fotografia, no século 19. "Ela, na verdade, se fortaleceu ao deixar de ser mera representação do real", diz o professor e crítico de arte Fernando Bini.

A persistência da pintura, mesmo após momentos de crise como a vivenciada com a desmaterialização da arte nos anos 70, é a marca comum entre os seis artistas paranaenses cujas obras integram a exposição Pintura Quase Sempre... e Eles Construíram a Modernidade no Paraná, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC.

Antonio Arney, Domício Pedroso, Ida Hannemann Campos, Fernando Calderari, Fernando Velloso e João Osório Brzenzinski são alguns dos precursores da pintura modernista no Paraná selecionados por Fernando Bini para compor a mostra, em curadoria realizada a convite do diretor do MAC Alfi Vivern. "Escolhemos um núcleo de artistas que foram expoentes daquele período e que continuam em atividade, mas há muitos outros nomes importantes", justifica Bini.

São artistas que ajudaram a construir a modernidade no Paraná ao redescobrir o "prazer de pintar", perdido em meio aos movimentos vanguardistas guiados por manifestos e gramáticas. "A pintura não é só tela e pincel. Ela pode estar presente na videoarte, por exemplo, quando o artista dilui a imagem", diz Bini, que intitulou a exposição com o nome do livro de Sérgio Milliet (1944).

À exceção do autodidata Arney e do caçula Brzezinski, todos foram alunos do mestre Guido Viaro, que no ateliê ou durante as idas ao campo para pintar paisagens "incutiria neles a ideia de moderno". Eles fariam parte do Movimento de Renovação, criado em 1957, em oposição à decisão do júri do 14.º Salão Paranaense de Artes Plásticas do Paraná, que eliminou os artistas jovens em favor do academicismo e da mesmice. "Os artistas se revoltaram, retiraram as obras das paredes e criaram o Salão dos Prejulgados", conta Bini.

Provocativo

Brzezinski, o mais jovem do grupo, tem sua obra marcada pela polêmica. Em plena ditadura militar, cria obras como a tela pintada com as cores da farda e as inscrições "descansar" e "marcha soldado, cabeça de papel, quem não marchar direito, vai preso no quartel". "Ele queria provocar, e o mais incrível é que todos fomos presos e ele não", brinca Bini.

"Farsa da Cruz", uma tela com a cruz cristã sobreposta à suástica, pendurada por um fio de náilon, foi criada pelo artista especialmente para a mostra, com a intenção de polemizar em torno da crise atual enfrentada pela Igreja Católica.

Artistas como Brzezinski e Arney, na opinião de Bini, se não estivessem no Paraná, seriam a vanguarda de seu tempo, ao utilizar elementos que, uma década mais tarde, seriam relacionados à art povera. Arney, por exemplo, usa sacos para compor suas colagens parafusadas, a exemplo do que o italiano Alberto Burri faria um pouco mais tarde.

Se havia pouca informação sobre arte em Curitiba, os artistas Fernando Velloso e Domício Pedroso – que este ano completam 80 anos – foram buscá-la fresca em Paris, entre os anos de 1959 e 1962. O primeiro teria aulas com o pintor André Lothe, mas incomodado com sua rigidez pós-cubista, se dedicaria à abstração. "Ele entra na linguagem contemporânea muito como tentativa de rompimento", diz Bini. Suas telas de formas abstratas em que sobressaem cor e volume podem ser encaradas como paisagens – os próprios títulos sugerem isso como "Dramático Encontro de Outono".

Em Paris, Domício faria o curso de Comunicação Visual no Centre Audio-Visuel de Saint-Cloud e deixaria de lado suas famosas "favelas", séries de casas sobrepostas, sem preocupação com a perspectiva, e que mais tarde retomaria no Brasil, para pintar abstrações relacionadas às novidades que o cercavam. É o caso da tela "Inverno em Paris", uma rua que tem seus elementos simplificados ao ponto de se tornar quase irreconhecível.

A paisagem parece ser um elemento comum na obra destes artistas, justificada pela própria tradição da pintura, pela qual iniciaram sua formação. Calderari, por exemplo, sai dela para a abstração e, então, retorna a ela em telas entalhadas. "Até voltar a ser completamente figurativo", diz Bini.

A visita ao MAC – criado, aliás, por Velloso para dar visibilidade ao trabalho dos jovens artistas –, é uma redescoberta da obra destes artistas renomados, que pela falta de memória, um mal que acomete não só o Paraná, mas o país, acabam esquecidos nos acervos dos museus e nas coleções privadas.

"O desconhecimento de nossa tradição é um problema. Um artista não se faz sem conhecer o que foi feito anteriormente. Os museus tinham que ter exposições permanentes com seus acervos de artistas paranaenses", reclama Bini.

Serviço: Pintura Quase Sempre... e Eles Construíram a Modernidade no Paraná, no Museu de Arte Contemporânea (R. Des. Westphalen, 16), (41) 3323-5328. De terça a sexta-feira, das 10 às 19 horas; sábados, domingos e feriados das 10 às 16 horas. Até 13 de junho.

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