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A CosacNaify acaba de lançar um livro que trata de eventos misteriosos em uma ilha que se crê deserta. Nada a ver com Lost, embora não seja absurdo supor que os criadores da série americana conheçam A Invenção de Morel (Tradução de Samuel Titan Jr. Cosac Naify, 136 págs., R$ 39), um dos maiores clássicos da literatura latino-americana e o livro mais conhecido de Adolfo Bioy Casares (1914 – 1999), publicado em 1940.

O escritor que era unha-e-carne com Jorge Luis Borges (1899 – 1986) parte do que pode ser descrito como uma espécie de euforia tecnológica da época para criar a história de um fugitivo da lei que consegue escapar para uma ilha. Segundo boatos, ela teve sua população dizimada por uma doença letal. Entre ir para a prisão e correr o risco de adoecer em lugar paradisíaco – noção que acompanha a imagem de uma ilha não habitada –, ele opta pelo segundo. A ilha serve para o escritor argentino como local distante onde tudo é possível – cenário ideal para um enredo fantástico.

Título que inaugura a coleção Prosa do Observatório (leia quadro), A Invenção de Morel tem a forma de um diário escrito pelo fugitivo. A partir de acontecimentos impressionantes, ele decide registrar o que vê como uma forma de legado à posteridade. Com uma rotina mais ou menos montada, o narrador sofre para comer porque parte da vegetação da ilha está seca, não dorme direito graças às marés que o encobrem durante a noite e pena com o calor de dois sóis – uma das coisas relacionadas à ilha que não consegue explicar.

Certo dia, do nada, descobre que o local não está deserto. Existe um grupo de pessoas que convive bem – à primeira vista –, ao som de um gramofone que toca as mesmas músicas a noite toda. Com o tempo, percebe que a rotina desse grupo (talvez canadense e falante de francês) se repete nos menores detalhes e parece ignorar sua existência. "Ocorreu-me (precariamente) que talvez se tratasse de seres de outra natureza, de outro planeta, com olhos, mas não para ver, com orelhas, mas não para ouvir", relata o narrador. Nesse período, ele se descobre apaixonado por uma das mulheres, Faustine.

Paranóico, o narrador teme que eles tenham vínculos com a polícia e estejam na ilha apenas para caçá-lo. Esse delírio – mais a paixão não-correspondida de Faustine – o acompanha durante boa parte das páginas até descobrir, enfim, a invenção de Morel.

A invenção consiste em uma máquina que reúne características do gramofone, da televisão, do cinema e da fotografia. Mais alguns aperfeiçoamentos desenvolvidos por Morel – ele também, apaixonado por Faustine –, que incluem sensações táteis, olfativas e degustativas. O cientista criou uma forma de holograma sólido como a realidade que acontece, capaz de registrar imagens e reproduzi-las à perfeição. O aparelho tem um porém, que remete ao temor ingênuo dos índios diante de uma máquina fotográfica: tudo o que registra, morre em seguida, "de fora para dentro". É como se a máquina de Morel – nome que faz referência ao dr. Moreau, outro personagem ilhéu, criado por H. G. Wells – sugasse a essência das coisas.

O narrador experimenta o dilema de continuar sua vida assistindo à amada ou se submeter à invenção parasita e morrer para habitar o mesmo universo de Faustine. O desfecho do livro – o parágrafo final – é acachapante.

Depois de A Invenção de Morel, Bioy Casares largou tudo para se dedicar à literatura. Foi o primeiro ato de uma obra que se tornou pródiga por mesclar fantasia e realidade com precisão. "Discuti com o autor os pormenores da trama e a reli; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole qualificá-la de perfeita", afirmou Borges sobre Morel. Juntos, os dois bês criaram H. Bustos Domecq, pseudônimo lendário das letras latinas com que assinaram diversos livros – o mais famoso talvez seja As Crônicas de H. Bustos Domecq. De Bioy Casares, a CosacNaify promete lançar Histórias Fantásticas e Diário da Guerra do Porco.

Prosa do Observatório

• Coleção que pretende publicar um pouco de tudo, de ficção a ensaios, desde que assinados por escritores hispano-americanos e brasileiros fundamentais, a Prosa de Observatório, da Cosac Naify, pretende dialogar com outras artes, como pintura, fotografia e cinema. Em maio, ela lança O Cavalo Perdido e Outros Contos, de Felisberto Hernández.

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