• Carregando...

Parece um tanto descabido comparar movimentos de ocupação do espaço público, como os protestos que derrubaram governos no mundo árabe e o Ocupe Wall Street em Nova York, com eventos como o réveillon fora de época na Praça da Espanha, que reuniu milhares de pessoas em torno de nenhuma pauta ou programação cultural. No entanto, para dois especialistas em urbanismo ouvidos pela Gazeta do Povo, o evento curitibano e estes movimentos políticos fazem parte de um fenômeno mundial cujas causas ainda não são bem compreendidas, mas que tem como ferramenta em comum as tecnologias de comunicação. E isso, por si só, já o torna interessante.

Afinal, não faltou quem identificasse na interação por meio da internet uma maneira de se livrar de certos encargos das relações do mundo físico – portanto, mais um sinal do alardeado individualismo dos nossos tempos. A pauta vazia da Praça da Espanha pode frustrar expectativas por uma participação mais ativa da sociedade civil na vida pública, mas o comparecimento em massa sinaliza, pelo menos, uma vontade de pertencer e estar junto. "É um sinal positivo de que a população ainda se apropria do espaço público de forma espontânea", diz o professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUCPR Fábio Duarte.

Para a professora da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense Fernanda Sán­chez, esses eventos de ocupação são um fenômeno social novo para quem se preocupa com as cidades. "Não são pautas fechadas, como acontecia antes. No entanto, elas têm um sentido público ao chamar a atenção da sociedade para questões de cidadania que me parecem interessantes", diz Fernanda, que se refere a esses casos como manifestações de "urbanidade" – a sociabilidade que se insere e celebra o espaço da cidade. "É interessante conhecê-los melhor, saber o que expressam e o que indicam, quantas pessoas eles reúnem e em que lugares acontecem esses eventos. E é interessante também conectá-los a processos de urbanidade que acontecem no mundo", diz.

Espontâneos

Duarte lembra que o réveillon fora de época não é o único caso de ocupação espontânea – ou seja, não convocada pelo Estado, como é feito na Virada Cultural ou nos shows comemorativos ao aniversário de Curitiba. O Parcão nos fundos do Museu Oscar Niemeyer (MON) também é um caso de utilização em massa de um espaço à revelia da ação do poder público. Para Duarte, o poder público deve manejar estes fenômenos e absorvê-los como parte da cidade. "Se o Estado se envolver menos em promover as atividades e mais em dar as condições para que ocorram espontaneamente, é melhor para a gente não cair em uma sociedade dirigida", diz. "O seu papel é manter a possibilidade de se ocupar o espaço público com estrutura e segurança", explica Duarte, para quem o raciocínio é simples: sem essa possibilidade, as pessoas deixam as ruas e vão para os espaços privados. "Daí, as que não têm para onde ir começam a ser apropriar do espaço público. Então, temos o problema da insegurança – ou sensação de insegurança", diz.

As iniciativas espontâ­neas, para Fernanda Sán­chez, são ainda mais relevantes quando se leva em consideração o histórico de adesão da população curitibana a eventos promovidos pelo Estado sem uma postura crítica. "Curitiba tem uma forte história de política urbana muito associada a um instrumento poderoso de coesão social, que é o marketing", diz a professora, que viveu por mais de 15 anos na capital paranaense. Para Fernanda, este consenso levou a um padrão de comportamento passivo e pouco reflexivo em relação ao projeto de cidade promovido pelo poder público.

"A urbanidade é conquistada na medida em que os cidadãos têm opinião própria, se manifestam e disputam o projeto de cidade em prol da grande maioria. Uma cidadania que só adere não é construtiva", diz Fernanda.

A tomada das ruas curitibanas, ao surgir em torno da celebração por si só e desprovida desta postura politizada, pode não dar sinais claros de que caminha neste sentido. Mas ela ganha relevância quando se desloca a atenção dos fins para os meios, conforme explica Duarte. "O fenômeno é menos o fato da festa e mais o fato de a população ainda conseguir se mobilizar sem depender de políticas institucionalizadas", diz. "E, se consegue se mobilizar para uma festa, cuidado: ela pode se organizar para coisas mais sérias."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]