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Literatura

A revolução começa na carne

Jonathan Safran Foer lista, no livro Comer Animais, os motivos que o levaram a adotar o vegetarianismo, partindo do repúdio à tortura de animais para chegar à opção por uma vida mais saudável

 | Osvalter Urbinati Filho
(Foto: Osvalter Urbinati Filho)

Lembra daquele filé que você comeu no almoço do último domingo? Ou foi pernil? Teria sido peixe? Ou frango assado? Todas as opções de carne citadas podem ser saborosas, mas há quem não apenas evite como faça restrição ao consumo.

Discursos a favor do vegetarianismo não são fatos inéditos. No entanto, uma novidade absoluta está nas vitrines e prateleiras das livrarias brasileiras: é o livro Comer Animais, do escritor norte-americano Jonathan Safran Foer, de 34 anos, autor do festejado romance Tudo Se Ilumina.

Comer Animais, primeira obra de não-ficção de Foer, começou a ser elaborada há alguns anos, quando nasceu o seu filho, Sacha. O escritor começou a se questionar sobre a dieta do bebê. Qual a origem da carne? Como os animais são tratados? Essas foram algumas perguntas que o motivaram a empreender uma pesquisa de campo.

O resultado, de três anos contínuos de trabalho, impressiona. Foer, anteriormente um vegetariano esporádico, deixou de ingerir carne de qualquer espécie. "Minha decisão de não comer animais é necessária para mim, mas também é limitada – e pessoal. É um compromisso assumido no contexto de minha vida, e na de mais ninguém", escreve. O autor não sugere a ninguém para agir como ele, mas o relato, linha após linha, é capaz de provocar, em quem lê, o desejo de nunca mais ver carne.

Foer apresenta uma sequência de informações. O setor pecuarista é responsável por 18% das emissões de gás estufa. A indústria da pesca promove, aos poucos, mas irreversivelmente, um extermínio da vida dos mares: todos ano, são mortos 4,5 milhões de animais marinhos, 3,3 milhões de tubarões, 60 mil tartarugas marinhas e 20 mil golfinhos e baleias. A criação animal usa, a cada ano, 756 milhões de toneladas de grãos e cereais para alimentar aves, porcos e gado bovino, bem mais do que o necessário para alimentar o 1,4 bilhão de seres humanos que vivem em extrema pobreza.

O sadismo dos funcionários de matadouros, sobretudo de porcos, deixou Foer estarrecido. Vale transcrever um trecho, que começa na página 185: "Em outra granja, uma investigação que durou um ano inteiro descobriu o abuso sistemático contra dezenas de milhares de porcos. A investigação documentou funcionários apagando cigarros na barriga dos animais, batendo neles com ancinhos e pás, estrangulando-os e jogando-os em poços de esterco para que se afogassem. Funcionários também enfiavam aguilhões elétricos nas orelhas, bocas, vaginas e ânus dos porcos. A investigação concluiu que os gerentes toleravam esses abusos, mas as autoridades se recusaram a processá-los".

O que você come

Seguindo o raciocínio de que somos ou nos tornamos aquilo que ingerimos, Foer decidiu não comer carne porque, a exemplo do que está relatado no trecho transcrito no parágrafo anterior, porcos, vacas e demais animais costumam ser torturados antes de serem sacrificados. Um estudo, que o autor teve acesso, afirma que as três principais causas de morte, infarto, câncer e acidente vascular cerebral (AVC), têm relação com o consumo de carne.

Comer, acima de tudo, pondera Foer, tem mais relação com rituais do que apenas com a ingestão de substâncias. "Nossas decisões sobre a comida se complicam com o fato de que não comemos sozinhos. A fraternidade à mesa vem forjando elos sociais até onde os registros arqueológicos nos permitem ver. Comida, família e memória estão ligados de modo primordial. Não somos meramente animais que comem, mas animais comedores. (...) Algumas de minhas mais caras memórias são de jantares semanais de sushi com meu melhor amigo, de comer hambúrgueres de peru preparados por meu pai com mostarda e cebola frita em festas no quintal. (...) Essas ocasiões simplesmente não são as mesmas sem a comida – e isso importa. Abrir mão do sabor do sushi é uma perda que se estende para além de uma experiência gastronômica agradável. Mudar o que comemos e deixar os sabores sumirem gradualmente da nossa memória criam uma espécie de perda cultural, um esquecimento."

O ficcionista abriu mão de elementos, sushi e hambúrgueres de peru, muito caros a sua memória afetiva, por ter a convicção de que são as decisões aparentemente mais comezinhas que produzem transformações. Ao banir bife, pernil, peixe e frango de seu prato, Foer faz a sua revolução pessoal. É assim que o mundo se modifica.

Serviço:

Comer Animais, de Jonathan Safran Foer. Tradução de Adriana Lisboa. Rocco, 320 págs., R$ 41,50.

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