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Uma vez exposto aos filmes de Krzysztof Kieslowski (1941 – 1996), jamais se fica indiferente. O cineasta polonês é capaz de marcar o público como a lembrança de uma separação inevitável. O lançamento da Trilogia das Cores, caixa de DVDs reunindo A Liberdade É Azul (93), A Igualdade É Branca (94) e A Fraternidade É Vermelha (94), tem o efeito de um reencontro – ou mesmo o de um primeiro encontro que não se pode esquecer.

A Versátil apresenta os filmes no que chama de "edição definitiva", semelhante à que foi lançada na França pela produtora MK2, de Marin Karmitz. Cada disco tem perto de 60 minutos de extras e traz uma "Lição de cinema de Kieslowski", em que o diretor e roteirista comenta cenas dos filmes e explica algumas de suas idéias e escolhas. É, de longe, o melhor bônus da coleção. Sabe-se, por exemplo, que o cineasta – célebre por ser exigente e muito específico – transforma um cubo de açúcar em uma discussão fascinante.

Em A Liberdade É Azul, Julie (Juliette Binoche), antes de adoçar o café, segura o cubo de açúcar sobre a xícara, tocando uma das pontas no líquido. Em quase cinco segundos, o branco do torrão é tingido pelo café e só então a personagem o larga na bebida. Kieslowski explica, primeiro, a importância dos closes. O filme é cheio deles porque Julie procura se concentrar em detalhes, tentando desviar o pensamento das mortes – ela sobreviveu a um acidente em que morreram o marido e a filha.

O close na xícara de café não poderia durar mais do que cinco segundos sob o risco de se tornar maçante. A equipe do diretor conseguia cubos de açúcar que se esfacelavam em três segundos, outros demoravam até oito para ficar tingidos. Levou-se muito tempo até que se encontrasse o torrão adequado. Para se ter uma idéia do detalhismo de Kieslowski, ele fala em "quatro segundos e meio".

No disco de A Igualdade É Branca, o cineasta explica a abertura do filme, com Karol (o polonês Zbigniew Zamachowski) chegando à audiência de sua separação. A narrativa é pontuada por cenas de uma mala em um aeroporto que só se justifica 20 minutos depois. Outra manobra de mestre de Kieslowski.

Os três filmes têm imagens recorrentes. Às vezes é um prédio, às vezes, uma pessoa (ou uma mala). Segundo o cineasta, o espectador pode não perceber as referências de modo consciente, mas, no íntimo, há chances de sentir uma certa familiaridade com determinadas cenas.

Uma seqüência em A Fraternidade É Vermelha mostra Valentine (Irène Jacob) perseguindo a cadela Rita até uma igreja que já havia aparecido no início do filme e não é de forma alguma essencial para a compreensão da história. Um detalhe insignificante para muitos, mas fundamental para Kieslowski.

Os DVDs trazem cenas comentadas (no primeiro), entrevistas com as atrizes, o editor Jacques Witta e o produtor Marin Karmitz (nos outros dois); bastidores, uma reportagem sobre a exibição de A Fraternidade em Cannes – na verdade, uma conversa com Kieslowski enquanto este almoça, mediada por um intérprete –, uma "homenagem" que não passa de uma entrevista e apresentações de Andrea França para cada um dos longas-metragens.

Andrea é autora do livro O Cinema em Azul, Branco e Vermelho – A Trilogia de Kieslowski (7Letras, esgotado) e, embora demonstre conhecimento sobre a vida e a obra do polonês, parece falar de improviso e sem olhar para a câmera. Sua participação, incluída pela Versátil, destoa do material produzido na França. Para ficar em um exemplo, Karmitz foi entrevistado por Serge Toubiana, biógrafo de François Truffaut e ex-editor da revista Cahiers du Cinéma. Karmitz traz à luz informações curiosas sobre o trabalho com Kieslowski e chega a ler trechos de cartas que trocaram um com o outro.

Obra-prima concebida para marcar o bicentenário da Revolução Francesa em 1989, a trilogia se tornou uma revolução ela mesma, engendrada por Kieslowski.

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