As previsões são de tempo bom para o primeiro dia da 3.ª Reunião das Partes Signatárias do Protocolo de Cartagena (MOP-3), evento da ONU cujas reuniões têm início nesta segunda-feira em Curitiba. Mas só no primeiro dia. Na terça-feira, quando não houver mais discursos de boas-vindas a dar, a meteorologia prevê chuvas fortes e trovoadas. O motivo da instabilidade é só um: na edição anterior do evento, no Canadá, há menos de um ano, terminou com questões em aberto.

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Há urgência em respondê-las e os cerca de 1.300 participantes previstos para a MOP-3 devem enfrentar pressão dupla para que o façam – dos países signatários, nas salas de conferência do Expo Trade Pinhais, onde o acesso é restrito, e em cada um dos 20 mil metros quadrados da área externa do pavilhão, que deve servir de arena de guerra para diversos segmentos da sociedade fazerem barulho.

O assunto que desperta tantas paixões é a rotulagem de produtos transgênicos. Na redação original do Protocolo de Cartagena, em vigor desde 2002, os países que exportavam sementes geneticamente modificadas deviam colocar em suas cargas o rótulo "pode conter". Reunidos, os países Parte – com exceção do Brasil e da Nova Zelândia – decidiram que o rótulo devia trazer os dizeres "contém" ou "não contém". O que muda tudo, principalmente no setor de contabilidade, que pode ficar quatro vezes mais cara para governos, agricultores, para a indústria ou, via de regra, para o lado mais fraco.

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Nomenclatura

O "pode conter", ainda que vago, já foi considerado o suficiente para que a movimentação de grãos entre países não representasse perigo para as lavouras ou para a saúde. Primeiro, porque esses produtos não se destinavam ao plantio, mas ao consumo, sendo naturalmente processados e, aí, rotulados pela indústria alimentícia, deixando a compra ou não ao critério do consumidor. Em segundo lugar porque a rotulagem, da forma mais simples à mais sofisticada, só serviria para aumentar custos para os governos e para os agricultores – em alguns casos, de até 80%. Há controvérsias, claro, principalmente nas contas que não fecham.

Como no caso brasileiro as sementes modificadas oscilam entre 0,5% e 1% nas grandes cargas, com exceção das vindas de estados como o Rio Grande do Sul, onde o uso de transgênicas segue uma política à parte, mudanças na rotulagem seriam uma manobra arriscada. E cara, principalmente num país com legislação ambiental tida como avançada. O Brasil decidiu não assinar a modificação do Protocolo, ganhou apoio da Nova Zelândia na empreitada e desde então só se tem uma certeza: da próxima MOP não escapa. E o dia chegou.

Força tarefa

O burburinho em torno do assunto, antes mesmo da conferência se iniciar, mostra que nenhum dos lados vai deixar barato. Biotecnólogos convictos e ecologistas que dariam a própria vida para varrer a última semente transgênica da Via-Láctea organizaram forças-tarefas para trazer o assunto à baila. O lobby continua na semana que vem e não vão faltar argumentos fortes o bastante para dividir o planeta em dois. Um deles é que na civilizada Europa o rótulo de transgênicos afugenta clientela nos supermercados e que o Ibope, em 2001, mostrou que 74% dos brasileiros fariam o mesmo – caso pudessem. O outro é de que tudo isso não passa de estratégia da União Européia para criar uma barreira comercial e levar "vantagem em tudo, certo?". "O Protocolo está sendo usado como palanque político", protesta o cientista da Universidade de Campinas (Unicamp), José Maria Ferreira.

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Há medo, de alergias, da falta de pesquisas científicas, do lastro sem fim pelas lavouras de milho, algodão, soja e papaia. Há quem chame de desinformação, obscurantismo medieval. Há quem lembre que mais de 30 países, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), adotaram a rotulagem obrigatória. "O Brasil precisa tomar cuidado para não aprovar normas que não podem ser cumpridas. Há alarmismo. Transferiu-se a rejeição antiga pelo pesticida para o transgênico", diz a cientista Alda Lerayer, da ONG CIB – Conselho de Informações sobre Biotecnologia, uma das observadoras brasileiras na MOP-3 e alinhada com os que pedem mais tempo para implantar o "contém". Pelo que tudo indica, é o que o Brasil decidiu fazer.

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