A vida literária na quinta comarca é um troço esquisito.

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O maior escritor curitibano é de Colombo. O mais louvado romancista paranaense é lageano. E ainda assim eles têm a eterna barreira do Paranapanema para vencer.

E às vezes nem assim.

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A velha porca que come os filhotes não dá descanso nem aos que cruzaram a fronteira. Newton Sampaio, lá atrás, que já nos diga.

Jair Ferreira dos Santos, de Cornélio Procópio, mora no Rio de Janeiro há décadas. A partir dos anos oitenta, ele publicou uma enfiada de três livros de contos que encontraram a aprovação de não poucos dos não pouco grandes na ex-capital.

Não bastasse isso, ele é provavelmente a coisa mais parecida com um best seller que temos no nosso currículo. Quem mais por aí ultrapassou a linha dos cem mil exemplares vendidos, como ele fez com seu quase-clássico O Que É Pós-Moderno (da coleção Primeiros Passos)?

Mas a recepção de seu trabalho por aqui ainda fica devendo. E quem perde, obviamente, é muito mais o leitor paranaense que o seu Jair.

Pelourinho

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Em Cybersenzala (Brasiliense, 174 páginas; R$ 29,50), seu mais recente lançamento, Jair põe a mostra seu mais que abundante domínio da forma do conto, que já atingira belas alturas em seu livro anterior (A Inexistente Arte da Decepção).

Aqui ele se dedica a explorar o mundo tecno-solitário nosso de cada dia, pois, segundo ele, um universo comandado pelo dinheiro e a competição não vai produzir anjos.

Novidade?

Acho que não.

Universo algum produziu anjos, e os que um deus criou mesmo assim eventualmente caíram à Geena. Anjos têm validade curta.

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Mas o fato é que o mundo de hoje (de qualquer hoje) tem sempre mais interesse por ainda não ter sido devidamente dissecado e explicado.

E o nosso, do nosso hoje, tanto menos.

E com este livro Jair Ferreira dos Santos põe lá o seu nominho na lista dos médicos legais que meteram a faca na mentalidade da classe-média brasileira do início de mais um milênio.

E começa por aí.

Seu elenco de personagens (seu recorte daquela classe-média) já é por si interessante. É o mediano, o medíocre, o que o toca. Nada de artistas, novos-ricos, beldades, velhos-ricos. Mesmo estes, quando surgem, surgem vistos pelo viés de sua platitude.

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O senador do conto "Decoro Parlamentar", ou se os orixás estão de porre, por exemplo, pode ser o prototípico representante da geriátrica plutocracia política nordestina, mas o conto o quer pelo que há de solitário e triste em um velho que precisa viajar de madrugada mas se nega a sair para o aeroporto sem tingir cabelos e bigode, para o que vai ter de contar com os serviços de um cabeleireiro com gigantes próteses de silicone que se chama...?

Depende, senador.

Depende do quê, criatura?

Se é de dia ou se é de noite. De dia meu nome é Val, de Demerval Castro Pereira, de noite meu nome é Stela, apenas Stela, mas com 18 ééélllles.

E qualquer um deles, presas da mesma cybersenzala, pode acabar tendo o mesmo destino do personagem sem-nome de "Antígona – Posto 6", que morre na mesa do barabeiramar, apenas para incomodar a todo mundo e acabar embaixo do balcão enquanto sua acompanhante termina de comer. Ou pode ser parente de um dos pretensos yuppies que se afundam em um happy-hour pós-pelourinho-eletrônico no conto-síntese "Fado Pauleira".

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Eles todos são todos eles por estarem sós. Como um leitor. Como o leitor.

Ou, como disse em entrevista o próprio autor, porque ser adulto é ser absolutamente sozinho. Esta é uma exigência da nossa condição, somos os únicos responsáveis por nossas escolhas, caso contrário nos tornamos dependentes. Porém com a internet, o celular, a auto-ajuda, não estamos mais na solidão lírica do existencialismo, mas talvez sofrendo as perversões do individualismo, do narcisismo decretado pelo mercado, que rompe os antigos laços sociais, deixando cada um livre ou perdido para construir a sua história.

Seu livro, engraçado, divertido, doído, termina, consoantemente, com um conto que simula um anúncio internético de uma funerária fashion (...!).

A gente pode estar na estrada da c*gada, e em quinta marcha. Mas, ao menos com literatura dessa espécie, a viagem vai ser mais interessante.