A pulsão sexual é o motor de Elogio da Madrasta, romance de Mario Vargas Llosa. Mas a obra não traz nenhuma descrição de cenas de sexo. A insinuação, o não-dito e o convite à imaginação, pelo efeito sutil e arrebatador que oferecem, formam uma atmosfera que pode vir a capturar o leitor durante as 160 páginas desta edição recém-publicada no Brasil (onde o título estava há quase 30 anos esgotado).
Parte significativa do enredo tem como cenário a cama de uma casa. Nesse leito, dom Rigoberto e Lucrécia mantêm a sua vida de casal em alta voltagem. Ele, após um primeiro casamento frustrado, encontrou nessa mulher a possibilidade de esplendor e renascimento. Ela, por sua vez, aos 40 anos, tem quase certeza de viver o melhor da vida. Nada de mal parece atrapalhar o idílio.
A pedra no caminho do casal tem nome: Alfonso, ou Fonchito o filho de dom Rigoberto. Adolescente, em um primeiro momento, posicionou-se contra à presença da madrasta. Mas, com a passagem do tempo, desenvolve interesse incomum por aquela mulher. Escondido, espia a madrasta no banheiro. Lucrécia, inclusive, sabe do fato. Dividida entre a hipótese de despertar a antipatia do enteado e um irreprimível desejo, entrega-se a Fonchito: eles se tornam amantes.
Antes das consequências deste amor proibido emergirem, a narrativa apresentará algumas surpresas. A começar pela opção formal. Os capítulos, curtos, trazem situações distintas alternadamente. Em um momento, o livro foca na trama de dom Rigoberto, Lucrécia e Fonchito. No bloco seguinte, há recuos para tempos passados situações eróticas que Rigoberto conta para Lucrécia antes de o casal dedicar-se à luta corporal, toda noite, em meio aos lençóis (seria uma espécie de "aquecimento", via imaginação, para incendiar a libido). Assim é construído o romance.
A intimidade de Fonchito com Lucrécia é revelada durante uma conversa, aparentemente banal, entre pai e filho. Amenidades, dúvidas metereológicas, tatibitati e, então, Fonchito conta ao pai que fez uma redação. O que provoca perplexidade em dom Rigoberto é o título: "Elogio da Madrasta". E, copo de uísque na mão, que vai cair no tapete durante durante a leitura, o pai irá, linha após linha, descobrir que o corpo de sua esposa também é desfrutado pelo filho, aparentemente, na mais completa ingenuidade.
Como já foi mencionado, nem tudo é apresentado de maneira direta. Algumas ações, inclusive as relevantes, são omitidas. Comenta-se, e apenas posteriormente, o que aconteceu. Muito, porém, é apenas sugerido. O que transita pela imaginação dos personagens existe (também) a partir da colaboração dos leitores que, no caso deste livro, tornam-se uma espécie de "coautores" tamanha é a solicitação (mesmo que sutil) do outro, de quem lê, nesse processo que, somente assim, tornará possível a literatura acontecer.
Serviço
Elogio da Madrasta. Mario Vargas Llosa. Alfaguara. 160 págs. R$ 34,90.
"Minha senhora está vendo estas imagens porque eu as descrevo em seu ouvido, com uma vozinha malvada, ao compasso da música. Minha sabedoria lhe traduz em formas, cores, figuras e ações incitantes as notas do órgão cúmplice. É o que estou fazendo agora, semi-encarapitado em suas costas, minha cremosa carinha avançando como um espigão sobre o seu ombro: sussurando-lhe fábulas pecaminosas. Ficções que a distraem e a fazem sorrir, ficções que a assustam e inflamam."
Trecho de Elogio da Madrasta, de Mario Vargas Llosa.