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Philip Roth: um dos eternos favoritos ao Nobel. | Nancy Crampton/Divulgação
Philip Roth: um dos eternos favoritos ao Nobel.| Foto: Nancy Crampton/Divulgação

Trilogia

O alter-ego do autor

No mesmo mês em que o novo livro de Philip Roth chega ao Brasil, a editora Companhia das Letras publica também a trilogia Zuckerman Acorrentado. Composto por três romances – O Escritor Fantasma, Zuckerman Libertado e Lição de Anatomia – e um epílogo – A Orgia de Praga –, a obra tem como fio condutor o personagem Nathan Zuckerman, judeu neto de poloneses que aspira ser escritor. Com uma veia cômica particularmente voltada para o humor judaico autodepreciativo, Zuckerman deseja ser reconhecido principalmente como um escritor reflexivo como Thomas Mann, mas está atrelado ao establishment de sua religião.

Publicados entre 1979 e 1984, os romances de Zuckerman Acorrentado ajudam na construção de um dos personagens mais marcantes de Roth. Zuckerman aparece em muitos outros romances do autor, entre eles a trilogia composta por Pastoral Americana, Casei com um Comunista e A Marca Humana, e os romances O Avesso da Vida e My Life as A Man (ainda sem tradução no Brasil), e frequentemente é descrito por críticos como o alter-ego de Philip Roth. Não é por acaso: além da origem, a obra de Zuckerman é similar a do escritor americano. Em Zuckerman Libertado, por exemplo, aparece o romance Carnovsky, incrivelmente similar ao Complexo de Portnoy, livro publicado em 1969.

Com Nathan Zuckerman, Roth deu vazão a sua principal preocupação como romancista nos anos 80: a relação entre a vida e a obra de um escritor. Mas é através dele que podemos conhecer melhor o pensamento de um dos mais influentes escritores americanos (YA).

Serviço:

Zuckerman Acorrentado. Tradução de Alexandre Hubner. Companhia das Letras, 552 págs., R$ 49. GGG

Philip Roth havia declarado em uma entrevista a O Estado de S. Paulo, por ocasião do lançamento de seu penúltimo livro, A Humilhação (2010), que pretendia fechar um ciclo de quatro romances curtos com uma obra intitulada Nêmesis. Os tais nêmeses – o termo é usado aqui como forças aniquiladoras que confrontam o homem – seriam a mortalidade, de Homem Comum (2006); a guerra, em Indignação (2008); e a "circunstância fora de controle que aflige o protagonista", em A Humilhação. Por fim, em Nêmesis, que finalmente chega às livrarias, o inimigo é invisível e igualmente devastador: o surto de poliomielite que aflige a cidade natal do autor, Newark, em Nova Jersey, durante o verão de 1944.

No centro da trama está Eugene "Bucky" Cantor, o zelador de pátios públicos da vizinhança judaica, que precisa enfrentar duas coisas: a vergonha de ser um dos poucos reservistas do exército americano que não está lutando na Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial e a impotência diante da doença que toma conta do local e mata crianças judias. Entre confrontos raivosos com o Deus que permitiu tal epidemia e o iminente noivado com uma jovem, Cantor divide seu espírito entre aparentar calma e atormentar-se com o pânico, irreversivelmente instaurado.

Roth atinge sua melhor forma em Nêmesis. Deixa de lado a prosa mais sofisticada e o erotismo para evocar as memórias de sua infância – um campo onde o escritor se dá muito melhor, vide obras como O Complô Contra a América (2004) e Indignação. Para ele, que tinha oito anos quando a guerra eclodiu, a poliomielite era uma ameaça tão ou mais aterradora que o domínio nazista. Se a guerra acabou em 1945, a paralisia infantil só foi vencida uma década depois, com a invenção da vacina de Albert Sabin. Esse terror do Roth criança deu o tom certo para o desespero de seu protagonista que, adulto, soma o peso da responsabilidade e o pensamento racional a seu complexo emaranhado de sentimentos.

Alguns elementos típicos do autor, entretanto, não são abandonados em Nêmesis: os personagens judeus, o protagonista professor – Cantor também leciona Educação Física na escola – e a tragédia da mortalidade são alguns exemplos. Porém, aqui se repete um elemento-chave, presente em seus dois últimos livros: o acaso. Sem saber qual criança vai pegar a doença, e desconhecendo até mesmo a razão do contágio, Cantor atormenta-se em encontrar propósito no que o autor chama ao final de "a tirania da contingência". No fim, talvez seja esse o verdadeiro nêmesis do homem: o grande vazio acidental responsável pela vida.

Serviço:Nêmesis, de Philip Roth. Tradução de Jorio Dauster. Companhia das Letras, 200 págs., R$ 36. GGGG

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