Clareza e mistério da criação poética
"Na poesia, a palavra é fundamental. Lembremos a lição de Mallarmé a Degas, quando o pintor se queixava ao poeta de que tinha inúmeras boas ideias, mas era incapaz de transformá-las em poesia. A resposta do autor de Un Coup de Dées é antológica: Ce nest point avec des idées que lon fait des vers, cest avec des mots. De fato, a poesia é feita de palavras, não de ideias. Sem que isso signifique que se está fazendo a apologia de uma criação poética vazia de ideias, de pensamento, como é o caso da soi disant [pretensa] poesia concreta. (Mais concreta do que poesia, diga-se de passagem). Não. A questão nuclear diz respeito à prioridade. A precedência. Na poesia sobretudo na grande poesia, não nos seus simulacros ou contrafações espúrias , a preocupação com a palavra essencial vem antes. Ela é suporte, fundamento, base, sustentáculo, elemento estruturante de qualquer edifício poemático. É o sangue vital do organismo poético. Assim, é necessário ir até o fundo do verbo. Até essa zona abissal em que se assiste ao espetáculo demiúrgico da renovação, da recriação, da transfiguração metamórfica do real fenomenológico e mesmo do real psíquico ou espiritual. Real cuja realidade intrínseca seja-me permitido o aparente pleonasmo não mais repousa em si mesmo, na sua aparição no mundo, na sua corporificação. Aí, na sua geografia textual, a poesia não se contenta em exprimir, dizer, traduzir ou espelhar o real. Pretende mais. Quer mais. Busca ser aquele autêntico real absoluto das echt absolut Reele de que falou o paradoxalmente hiperlúcido Novalis. E quer sê-lo de que modo? Ultrapassando-se. Transcendendo-se. Reiventando-se perpetuamente, na alquimia sutil do verbo que se faz mundo ou do mundo que se faz verbo. Intersemioticamente. Na liturgia perfeita da beleza inominável."
Excerto do livro Prismas & Perspectivas, de João Manuel Simões (Editora do Chain, 2012
Certa vez, um interlocutor questionou Balzac sobre o porquê de ele escrever tanto. "Não tenho tempo de escrever menos", foi a resposta seca e lacônica. Essa tem sido a rotina prazerosa do escritor João Manuel Simões um escritor brasileiro nascido em Portugal, como faz questão de frisar. Simões publicou 65 livros nos últimos 50 anos, média de um a cada nove meses. Como numa gestação, mas sem a dor do parto. Escrever é antes uma necessidade de se haver com sua terceira pátria sim, a mesma de Fernando Pessoa, a língua.
Simões veio ao Brasil beirando os 15 anos, não sem antes ler mais autores brasileiros do que lusitanos na escola primária. O gosto pela literatura só fez crescer. Trinta minutos de conversa com esse luso-brasileiro bastam para ouvi-lo desfiar com a devida propriedade um sem-número de escritores franceses, russos, ingleses, portugueses, espanhóis, brasileiros. Pense na nata da literatura mundial toda ela devidamente contextualizada nos escritos de Simões. O ofício do escritor se faz também da escrita de outros. Ele sabe disso.
Os livros de Simões vão da poesia à crítica literária, do ensaio ao conto, da crônica ao pensamento. O primeiro deles, Eu, sem Mim, de 1962, traz os sonetos de um jovem aspirante a escritor em seus 25 anos. A esse se seguiram outros, numa necessidade crescente de criação. "O escritor, o poeta em especial, é inventor, criador, fabricante, cuja matéria-prima é a palavra", diz. Para ele, na poesia a palavra se torna emblema. Sua definição para a função da palavra nessa relação traz, em si, algo de poesia. "É o sangue vital do organismo poético."
Produção
Há 20 anos, quando largou o Direito e se aposentou do cargo de diretor de RH, Simões pôde se entregar de vez ao amor maior: a palavra escrita. A produção se intensificou, e ele publicou nove livros só nos últimos quatro anos. Todos, do primeiro ao último, ganharam formas em máquinas de escrever portáteis. A primeira foi uma Olivetti; a atual, uma Facit. Os tempos de hoje, no entanto, o fizeram terceirizar parte do serviço. Ele bate à máquina e outra pessoa passa o texto para o computador antes de enviar à editora. É o modo Simões de fazer.
"O grande computador é o cérebro", antecipa-se a quem, num lapso modernista, poderia julgá-lo anacrônico. Simões revela-se satisfeito pelo que faz e como faz. E lembra, com um justificado orgulho, dos elogios feitos à sua obra por gente importante do mundo das letras. Gente como Carlos Drummond de Andrade, Massaud Moisés, Tristão de Athayde, Wilson Martins, Miguel Sanches Neto, Hélio Puglielli. Com um time desse a favor, como duvidar? "Na sua multiplicidade psicológica e requintada agudeza de expressão, Simões lembra Fernando Pessoa", nas palavras de Tristão de Athayde.
Entre os reconhecimentos, ganhou em 1979 o Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, com o livro Suma Poética. Para ele, não é seu melhor livro. O próprio autor aponta os três melhores, dos últimos dez anos: Sonetos Quase Completos, Ladainha do Ser e Vitória de Samotrácia & Outros Poemas. Apesar de tanta produção literária, não se incomoda por não estar entre os autores mais badalados nas livrarias. Para ele, todo reconhecimento é importante, seja por um milhão, por mil ou por dez.
A Construção do Imaginário na Poesia de João Manuel Simões (Multideia Editora, 2013) é o título do livro que resultou da dissertação de mestrado de Sueli Aparecida da Costa Tomazini pela Universidade Estadual do Paraná. O escritor figura ainda em outro livro, Estudos Literários (Editora Juruá), numa antologia ao lado de autores como Érico Verísimo, Helena Kolody e Murilo Rubião, entre outros.
Morador de Curitiba, Simões foi o mais jovem escritor a ingressar na Academia Paranaense de Letras, aos 31 anos tinha então oito ou nove livros publicados. Titular da cadeira número 11, é o mais antigo membro da Academia, desde 1971.
Prosa & Poesia
"Na prosa, a palavra tem uma função por assim dizer econômica, utilitária. Está a serviço da expressão do pensamento, surge despojada de qualquer outra preocupação que não seja a de dizer, clara e inteligivelmente. Na poesia, porém, a palavra assume, numa estranha mimese, um papel diferente. Ganha, adquire uma função lúdica, quase encantatória, na sua fulguração emblemática de insígnia ardente. Procura instalar e instaurar na mente do leitor aquele estado poético que Paul Valéry considerava basilar. Esse estado é deflagrado por algo que é consubstancial à própria palavra, mas que, simultaneamente, vai além e ao fundo da epiderme textual."
Excerto do livro Prismas & Perspectivas, de João Manuel Simões, (Editora do Chain, 2012
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