Peter Sellers foi um gênio da comédia. Não há como negar. Mas por trás de seu imenso talento, escondia-se um homem atormentado, profundamente inseguro e quase sempre à beira de um colapso emocional. Em uma das seqüências mais emblemáticas de A Vida e a Morte de Peter Sellers, telefilme produzido pela HBO que acaba de chegar às locadoras brasileiras, o ator revela seu lado sombrio ao destruir a chutes e pisões raivosos o trem elétrico e outros brinquedos do filho, Michael. Tudo porque o garoto, em um gesto de carinho, havia pintado uma listra branca sobre um arranhão encontrado por Sellers na lateral de seu reluzente e novíssimo carro esporte. O menino imaginava que o pai ficaria feliz com a solução encontrada para disfarçar o estrago na lataria do veículo.

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Horas mais tarde, quando percebe o grau de irracionalidade de sua reação, Sellers tenta compensar Michael com um pônei. Tarde demais. Trata-se de outro gesto revelador sobre a imaturidade crônica do comediante, um artista de baixíssima auto-estima que buscava, com todas as suas forças, provar a si mesmo não ser, no fundo, um lixo humano. Essa é a tese defendida pelo longa-metragem de Stephen Hopkins, que não mede esforços para estabelecer o extremo paradoxo de Sellers ser, ao mesmo tempo, um dos nomes mais engraçados da história do cinema e uma personalidade triste, sempre à beira do patético.

Graças a um excelente trabalho de composição do australiano Geoffrey Rush (vencedor do Oscar por Shine – Brilhante), o filme de Hopkins se sobressai da maior parte das cinebiografias por fazer uma aposta arriscada. O diretor (também um dos roteiristas da produção) crê que o ator, por meio de suas criações, é capaz de revelar mais a respeito de sua natureza complexa do que apenas através dos fatos de sua vida. Exemplar nesse sentido é a resposta dada a um repórter de cinema em uma entrevista concedida durante a rodagem de A Pantera Cor-de-Rosa, de Blake Edwards (John Lithgow): "Sem um papel para interpretar, não existo".

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Em outro momento do filme, Sellers recebe a mãe, a superprotetora e castradora Peg (Miriam Margolyes), no set de filmagens de Doutor Fantástico (1964), depois de meses sem vê-la. Até aí, tudo bem, não fosse por um detalhe: o ator em momento algum conversa com Peg como se fosse Peter Sellers, mas sempre encarnando o protagonista do clássico de Stanley Kubrick (Stanley Tucci), em uma de suas várias facetas. De peruca, em uma cadeira de rodas e com um quase incompreensível sotaque russo.

Ao deixar o estúdio em Londres, alguém pergunta à mãe do ator como Sellers estava. "Eu não sei. Não o vi" é sua resposta.

Como manda o manual das cinebiografias, A Vida e a Morte de Peter Sellers, indicado a 16 prêmios Emmy e vencedor do Globo de Ouro de melhor filme para TV e ator (Rush), não se furta de retratar, em ordem mais ou menos cronológica, os marcos da carreira do comediante britânico, desde sua participação em The Goon Show, programa de rádio transmitido pela BBC, até seu último papel no cinema, como o jardineiro viciado em TV de Muito Além do Jardim, filme de Hal Ashby que lhe deu sua segunda indicação ao Oscar de melhor ator, em 1979 – a primeira foi por Doutor Fantástico. Sem deixar de fora, é claro, o impagável inspetor Clouseau da série A Pantera Cor-de-Rosa.

O filme também dedica – e com razão – muita atenção à turbulenta vida amorosa de Sellers. Como era inseguro por não ter o físico ou o magnetismo de um galã, o ator tentou transformar em charme seu jeito desastrado e apatetado, às vezes com sucesso. A tática funcionou para conquistar a bela atriz sueca Brit Ekland (Charlize Theron, em ótima atuação), mas naufragou vexaminosamente quando acreditou que a italiana Sophia Loren (vivida por uma sussurrante Sonia Aquino) estaria caída por ele.

Apesar das limitações do formato – cinebiografias não costumam dar conta da complexidade de seus protagonistas – , A Vida e a Morte de Peter Sellers é uma produção acima da média e merece ser vista por todos que se interessam pela história do cinema, fãs ou não do ator. GGG1/2

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