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São Paulo – Há algo de muito estranho acontecendo no cinema latino-americano, pelo menos dentro dos limites do mercado de língua espanhola. Em debate realizado durante a 29.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que termina esta semana, dois diretores participantes da discussão, o chileno Sílvio Caiozzi e o mexicano Emilio Maillé, contaram estar sendo vítimas de campanhas negativas em resposta ao teor crítico de seus novos longa-metragens, Cachimba e Rosario Tijeras, respectivamente.

No caso do filme chileno, a reação mais virulenta, segundo Caiozzi, teria vindo de parte da imprensa. "São críticos jovens, a serviço dos interesses corporativos de seus veículos, que, ressentidos com a ascensão comercial da cinematografias nacional e latina, que não têm recursos para campanhas publicitárias milionárias, estariam prejudicando o desempenho do produto estrangeiro, sobretudo do americano, que gera milhões de pesos em receita para as publicações."

Cachimba é uma comédia irônica e delirante sobre Marcos, um bancário de meia-idade cuja única aspiração na vida é transar com sua ingênua noiva Hilda. Com esse objetivo, o personagem pede à sua amada que o acompanhe por um fim de semana a um solitário balneário em pleno inverno. Ele não imagina, contudo, que ali, em frente ao mar, descobrirá, pela primeira vez, um sentido para sua existência.

No interior de uma velha casa, Marcos encontra uma coleção de quadros de grande valor artístico, supostamente de autoria de um desconhecido pintor chileno da década de 30. Os quadros estão sob a guarda de um alcoólatra que, em sua juventude, fora encarregado de cuidar das pinturas. Marcos sente, então, que deve assumir a missão de deixar como legado a descoberta desse novo patrimônio artístico para a nação. Mas, para isso, terá de enfrentar obscuros personagens interessados em aproveitar-se da situação.

Caiozzi afirma que, para o detratores de seu filme, Cachimba retrata o Chile e, sobretudo, o povo chileno, de maneira depreciativa e vil, revelando ao mundo traços da sociedade, como a ganância e o materialismo, que depõem contra a imagem do país. "Chegaram a sugerir que eu fizesse um filme sobre os ‘heróicos tenistas que trouxeram medalhas de ouro da Olimpíada de Atenas’", conta Caiozzi, em referência ao jogadores Nicola Massú e Fernando González (que venceu no torneio de duplas, com Massú, e individual).

Os efeitos dessa "campanha" contra o filme teriam prejudicado a carreira comercial do longa-metragem, que atraiu em torno de 110 mil espectadores, um número considerado bom em um mercado pequeno como o chileno. "Mas poderia ter feito mais", diz Caiozzi, citando outro título que teria sofrido o mesmo tipo de perseguição: Mala Leche, de León Errázuriz, "destruído pela crítica chilena", mas premiado como melhor filme de estréia no Festival de San Sebastián, na Espanha, em 2004.

O mexicano Emilio Maillé conta ter sido menos vítima da imprensa do que de setores do público, que consideraram Rosario Tijeras um reforço indesejado ao que acreditam ser uma cruzada internacional contra a Colômbia, país onde o filme foi rodado. "Por conta do narcotráfico, acho que apenas os iraquianos têm hoje menos problemas para conseguir um visto de entrada em outro país. quando chegam a qualquer lugar, os colombianos são vistos, automaticamente, como suspeitos", afirma o cineasta.

O longa de Maillé conta a história de Rosário, uma jovem nascida em uma das áreas marginais de Medellín, cidade marcada pela violência e pela morte nos tempos do chefão do tráfico Pablo Escobar. A heroína (Flora Martínez, em excelente atuação), que costuma proferir frases como "Amar é mais difícil que matar", é uma bela mulher de 20 e pouco anos, com jeito inocente e uma pistola oculta em suas roupas. O apelido que lhe serve de sobrenome, "tijeras", vem de um episódio ocorrido em sua infância, quando enfrentou com um par de tesouras um pedófilo. Desde então, a personagem mergulha no submundo e passa a ser protegida pelos barões da droga.

Depois de atrair mais de um milhão de pagantes aos cinemas colombianos, Rosario Tijeras segue os passos de A Virgem dos Sicários, de Barbet Schroeder (de O Reverso da Fortuna), grande êxito comercial no país que, segundo Maillé, teria desencadeado a reação negativa contra produções que explorem o "mundo cão" do narcotráfico.

O filme, rodado na cidade como se fosse um documentário, conta a história de um escritor famoso que, depois de anos de exílio na Europa, retorna a Medellín para morrer. É quando conhece um sicário (nome dado aos jovens matadores profissionais do cartel), por quem ele se apaixona. "Imagine, um filme que reúne tráfico e homossexualismo só poderia ter provocado esse tipo de reação. Por conta disso, a classe média quer que outras histórias sejam contadas", comentou o diretor.

O jornalista viajou a convite da 29.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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