Entre os livros de não-ficção mais vendidos na semana passada em três das maiores livrarias do país, estão algumas biografias, entre elas D. Pedro II, de José Murilo de Carvalho (Companhia das Letras, Coleção Perfis Brasileiros, 296 págs., 2007, R$37) e Maysa Só Numa Multidão de Amores, de Lira Neto (Globo, 400 págs., 2007, R$32).
No resto do mundo também é assim. Esta semana, dois dos cinco livros mais vendidos nos Estados Unidos são biografias. É o que revela lista publicada pelo jornal The New York Times. São eles: The Diana Chronicles, de Tina Brown (Doubleday, US$ 27,50), sobre a princesa de Ga-les, morta em 1998; e Einstein, de Walter Isaacson (Simon & Schuster, US$ 32), a respeito do físico alemão.
O gênero nunca saiu das prateleiras brasileiras, mas há alguns anos vem arrebanhando cada vez mais curiosos, quer dizer, leitores interessados em conhecer minúcias da vida de figuras polêmicas, admiradas e por que não? odiadas.
Não-autorizadas
Em 1958, o jovem Luiz Canales foi ao cinema em São Paulo assistir A Mulher Mais Bela do Mundo e deparou-se com aquela que seria sua musa da vida inteira, Gina Lollobrigida. Quando, em 1984, decidiu escrever uma biografia sobre a atriz de gênio difícil, nenhum pouco disposta a permitir que tal empreitada se concretizasse, ele já tinha reunido vasto material biográfico. Imperial Gina foi publicada nos Estados Unidos, seis anos depois.
Ao ser publicada no Brasil, em 1996, pela editora Nórdica, recebeu o nome de Gina Lollobrigida: Uma Biografia Não-Autorizada da Vênus Imperial. "Com a Lollo foi admiração genuína, uma dedicação de fã de carteirinha", conta ele, que leciona língua portuguesa em Kioto, no Japão, há 30 anos.
Mas, nem só de fãs se fazem leitores e autores. O jornalista e escritor Fernando Morais já escreveu sobre figuras admiráveis como Olga Benário, em Olga, recrutada pelo governo soviético para dar proteção ao líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, com quem viveria um romance antes de ser deportada e morta nos campos de concentração nazistas, e o marechal Montenegro, em Montenegro, as Aventuras do Marechal Que Fez uma Revolução nos Céus do Brasil, pioneiro da aviação que enfrentou o Presidente da República, na década de 50, para implantar o Instituto Tecnológico da Aeronáutica ITA.
Mas, uma de suas biografias mais procuradas é Chatô, O Rei do Brasil, um catatau de cerca de 800 páginas sobre a trajetória de uma personalidade que não desperta simpatia gratuita: o magnata das comunicações Assis Chateubriand. "Não preciso gostar do meu personagem. Já pensei em escrever uma biografia do delegado Fleury. Não fiz porque já tinha gente fazendo", conta.
O também jornalista e escritor Ruy Castro não consegue ser tão frio. Precisa admirar seus personagens. Costuma escolher figuras carismáticas como o jogador de futebol Mané Garrincha, pintado por ele em Estrela Solitária, e Carmen Miranda, a pequena notável que lhe rendeu "boa dose de trabalho, mas também de prazer", em sua mais recente biografia, Carmen Uma Biografia? Já Nelson Rodrigues, que ele retrata em O Anjo Pornográfico, não é exatamente uma unanimidade, mas não há como negar o fascínio que o dramaturgo exerce sobre gerações sucessivas.
Corações de pedra
Como em toda relação amorosa, a relação entre biógrafo e personagem também é feita de decepções. "Durante o processo de investigação, descobrem-se os defeitos do biografado. Mas, para merecer a biografia, ele terá que ser grande nas suas qualidades e nos seus defeitos", diz Ruy Castro.
Luiz Canales não conseguiu amolecer o coraçãozinho malvado de sua "deusa". Ele bem que tentou entrevistá-la, mas Lollo ignorou solenemente todas as tentativas do autor de contatá-la. Quinze dias depois de a biografia ser lançada no Brasil, ela processou Canales. O processo foi arquivado um ano depois, pois a atriz deixou de pagar o advogado. "Foi chato, uma decepção. Mas, minha admiração pela atriz é a mesma ainda". O amor é mesmo cego.
O amor de Paulo Cesar de Araújo por Roberto Carlos não chegou ao ponto de cegá-lo. O historiador é autor da polêmica biografia não-autorizada Roberto Carlos em Detalhes, que, em fevereiro deste ano, foi proibida pela justiça, após um processo do Rei contra o autor e sua editora, a Planeta, exigindo o recolhimento dos 11 mil exemplares do livro.
A decepção com o ídolo que costumava ouvir no rádio, ainda menino, não pegou Paulo Cesar desprevenido. "O que aconteceu apenas explicita o que eu já sabia. Compreendo Roberto. Ele é um brasileiro, com talento genial, mas típico, até mesmo pelo fato de nunca ter tido intimidade com livros. Ele faz parte daquele grande contingente da população que não teve o hábito de ler, e essa é uma das nossas tragédias. Isso explico no livro. Ele deparou-se com um fato novo em sua vida, que é um livro bem recebido pelo público e pela crítica, e que tratou como mais uma revista de fofoca", opina.
Araújo faz parte daquele grupo de biógrafos que precisa gostar de seus personagens. Isso não significa que trate Roberto Carlos como alguém acima do bem e do mal. "Sempre fui crítico dessa coisa do ídolo. Meu livro, inclusive, revela um Roberto demasiadamente humano, que sofre, que teve portas na cara, contraditório, com limitações, e essa pode ser uma das coisas que o incomodaram", revela.
Os pés no chão de Paulo Cesar Araújo parecem ser regra entre os biógrafos, atentos para não cair na armadilha de repetir ou negar no texto mitos já consolidados. Para evitar o erro, Canales seguiu três regras básicas ao falar de sua deusa Lolla: não se deixar levar pelo que diz a mídia, pesquisar obsessivamente e tirar conclusões próprias sobre os fatos encontrados.
O jornalista cultural Daniel Piza diferenciou vida e obra para falar de um dos grandes mitos da literatura nacional em Machado de Assis Um Gênio Brasileiro (Imprensa Oficial de São Paulo, 2006). O autor procurou ser "justo com ele, mostrando seus defeitos sem pudor, mas nunca esquecendo que a obra de um grande autor é sempre maior do que ele".
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