E parece que os dois júris da Mostra de Tiradentes combinaram premiaram os mesmos filmes. O Troféu Barroco para o melhor filme da Mostra Aurora de 2014 foi para A Vizinhança do Tigre, de Affonso Uchoa. Ambos os júris deram uma menção para Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós. O filme de Uchoa foi exibido no primeiro dia da competição, e permaneceu como referência durante toda a realização do evento. O de Queirós chegou somente na sexta-feira, último dia em que foram apresentados filmes concorrentes. Talvez exista algo de simbólico nisso. Alguma coisa como dizer que, do começo ao fim, a Mostra Aurora cumpriu seu perfil.
Existem similaridades entre os dois filmes vencedores. Ambos estão listados no catálogo da 17.ª Mostra de Tiradentes como documentários. São filmes nas bordas ficções que misturam gêneros e exibem as linhas de força do seu processo de criação , bem como o curador (Cleber Eduardo) e o público de Tiradentes gostam.
A Vizinhança do Tigre acompanha jovens da periferia de Contagem, cidade que integra a região metropolitana de Belo Horizonte. É dedicado a um deles, que morreu (de tuberculose). Outro está preso. O diretor ficcionaliza, mas os depoimentos são verdadeiros (documentários). Affonso Uchoa não olha esse mundo de fora. A vizinhança do tigre não é só a adversidade do mundo externo. É o turbilhão interior que os jovens que sofrem a exclusão têm de domar para não serem engolidos por ele.
Adirley Queirós também filma a periferia a de Brasília. Ele já ganhou a Mostra Aurora com A Cidade Nos Pertence, há um par de anos. Na época, o júri da crítica justificou seu prêmio falando na empatia dos personagens e na maneira criativa como o autor misturava passado e presente. A mesma justificativa valeria para Branco Sai, Preto Fica e, até certo ponto, para A Vizinhança do Tigre. Queirós é cineasta de Ceilândia, cidade satélite de Brasília. É onde vivem, desde o início da construção da capital federal, os excluídos. Os personagens integravam um grupo de moleques que dançava nas baladas (de sábado à noite?). Um levou bala da polícia e ficou paralítico. O outro perdeu a perna.
Crítica
Branco Sai... abre-se na velha Ceilândia, tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante de Brasília que é necessário passaporte para entrar na capital federal. A ideia não é só engenhosa como é crítica. Diz das condições em que vivem os segregados sociais. Como em A Vizinhança do Tigre, a música é um elemento forte na (r)evolução da trama. Pois há, em Branco Sai, com todas as liberdades de criação do autor, uma história que ele quer contar.
Pela primeira vez, Tiradentes toda a programação, e não apenas a Aurora foi constituída por filmes feitos e exibidos no suporte digital. O futuro já chegou, e numa cidade histórica, no interior de Minas Gerais. Tanta coisa para destacar. O rap do grupo Pacificadores, de Brasília, no desfecho de A Vizinhança do Tigre é muito forte. Com certeza contribuiu para o impacto do filme de Affonso Uchoa. "Eu queria mudar/ eu queria mudar/ eu queria mudar/ eu queria mudar." Quatro ou cem vezes. O desejo de mudança dos excluídos muitas vezes choca-se com a indiferença do mundo. Mas o cinema está atento e forte. Crítico e vigoroso. Sem medo de ousar nem tempo de temer a morte.
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