Não podia haver local mais adequado: o Espaço Tom Jobim no meio da mata do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Edu Lobo saiu de um longo retiro para lançar, na quarta-feira 24 de março, seu novo CD, Tantas Marés. Como estaria, depois de um afastamento de cinco anos, o músico que pontificou nos festivais dos anos 60, fez canções engajadas, equilibrou o sertão mítico e o cenário urbano, e esparramou sua alma em belas baladas de amor? Diante de uma sala cheia e calorosa, Edu iniciou o espetáculo em tom de desculpa: apontou para o violão inerte sobre a cadeira, exibiu uma mão direita inchada e anistiou ortopedista e fisioterapeuta, assumindo a culpa por não fazer os exercícios prescritos.
Vai ser assim até o fim: Edu de pé, microfone na mão, contando e cantando. Fala de Vinícius e de Tom, relata velhos causos, e apoia-se no vigor instrumental da sua banda: o piano e os arranjos de Cristóvão Bastos, o violão de Lula Galvão, o baixo de Jorge Helder, a cozinha incrementada de Jurim Moreira (bateria) e do azougue Mingo Araújo (percussão), sem mencionar o a festa de sopros de Carlos Malta (saxofones e flautas).
Edu começa num passeio por letras de Paulo César Pinheiro, visitando o sertão ("Angu de Caroço", "Dança do Corrupião"), percorrendo seu mundo interior ("Qualquer Caminho", "Coração Cigano", "Perambulando" que seria um "choro sem caráter", por ter duas partes, mas foi salvo pela terceira parte acrescida por Cristóvão Bastos.) São temas reflexivos: "Pra não parecer sozinho,/Sem carinho e à mercê,/Sigo por qualquer caminho/Só pra não morrer." "Coração é catavento/Carrossel sem direção/A girar de modo lento/ Pelo vento da ilusão." "Andando/Por aí, perambulando/Minha vida vai passando/Eu não sei mais até quando."
Na pujança dos seus 66 anos, Edu se insurge contra o pessimismo do parceiro e comenta: "Ô, Paulo César, aquele verso eu não aguento: Minha velha alma está cansada..."
Em comparação, até o "Canto Triste" que Vinícius poetou para a música de Edu parece mais alegre, ou pelo menos esperançoso na lembrança: "Onde a minha namorada/Vai e diz a ela as minhas penas que eu peço/Peço apenas/Que ela lembre as nossas horas de poesia/Das noites de paixão." Edu lembra um lance com o poetinha.
Em 1964, aos 21 anos, ele havia esgotado toda sua criatividade com a trilha de Arena Conta Zumbi, para o espetáculo de Gianfrancesco Guarnieri. Bebendo no Villariño, Vinicius lhe pergunta se não tem nenhuma canção. Edu diz: "Estou zerado." Depois lembra de uma coisinha e tenta cantarolar, tatibitate. Vinícius pondera: "Peraí, garoto. Toma mais um uísque,vai pra casa e ajeita isso com calma, que eu quero fazer a letra desta merda..."
Edu lembra Tom remexendo nos seus acordes de Pra dizer adeus, que ele canta e encanta a plateia, que por sua vez faz coro com Edu.
A parceria vitoriosa com Chico Buarque é celebrada em duas canções do Grande Circo Místico: "A História de Lily Braun" e "Balada da Bailarina". Voltando a suas quizílias motoras, Edu cita "Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar..." e embarca no vibrante "Ponteio", campeão do festival de 1967. Confessa que o título do show, em vez de Todas as marés, ficaria mais apropriado como Quem Me Dera Agora Eu Tivesse a Viola...
Mas "Todas as Marés", letra de Paulo César Pinheiro, não deixa de dar o tom do espetáculo. "Tantas marés/Eu já vi passar/Carregando meus pés/Por todo o mar/Que a vida é pra se navegar/O que muda é o convés/E a rosa dos ventos/Só é compreendida/Olhando o revés." E, logo no início, evocando a viagem sentimental do espetáculo: "São fragmentos de amores casuais/Colagens de mim, desiguais/Retratos de fatos e estórias talvez banais/Vestígios de tempo/Que mesmo embaçados/Não passam jamais." Descontando o alto teor poético, quase empata com Roberto Carlos: "Se chorei ou se sorri/O importante/É que emoções eu vivi."
Hora e meia de show, Edu fecha com o apropriadíssimo "Na Carreira": "Hora de ir embora quando o corpo quer ficar/Toda alma de artista quer partir/Arte de deixar algum lugar/Quando não se tem para onde ir." Aplausos insistentes e o anunciado bis: o mix de jazz & Broadway de "Lily Brown", com a banda fervendo, e depois, em clima de despedida nostálgica, "Pra Dizer Adeus", em comunhão com a plateia. Os sete homens de camisas pretas se abraçam de frente para o público e dobram o corpo em agradecimento. Parece até o final de "Tantas Marés": "Saudade é um mosaico/De tudo que eu deixo de mim,/Nada mais."
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