O filme Clean tornou-se célebre no Festival de Cinema de Cannes, há dois anos, ao narrar a história de uma volta por cima. A atriz Maggie Cheung até conquistou o prêmio de melhor atriz pelo retrato denso de uma mãe que sai da prisão para se livrar das drogas, recuperar a guarda do filho e, também, a sua carreira artística na música pop. A atriz e dramaturga curitibana Pagu Leal desconhecia o filme ao escrever uma história muito próxima que tomou corpo na peça inédita Belvedere, em cartaz desde ontem no Teatro Regina Vogue. A superação das dificuldades é, afinal, um tema universal, válido tanto aqui tanto quanto na China, tanto no teatro quanto no cinema.
Em Belvedere, o caso é de Carmilla D`Anvers, uma grande artista plástica decidida a superar seu maior trauma, a morte do marido Julian. Ela foge para uma casa de campo, buscando refúgio das lembranças de Julian e das cobranças de sua marchand Lucrecia (Claudia Minini). Encontra o conforto na companhia de Eric (Fernando Bachstein), seu assistente e melhor amigo, e estabelece uma curiosa amizade com as crianças do campo.
Separada em três atos, com texto e direção de Leal, Belvedere se inspira nas biografias de artistas conhecidos cuja produção foi profundamente afetada por dificuldades pessoais, como foi com a escultora francesa Camille Claudel. "Não há referências explícitas. Essa é uma maneira de mostrar que a atividade artística pode servir de reflexo ou vazão para essas angústias", comenta a diretora. As características específicas do processo criativo de artistas plásticos foram outra frente de pesquisa. "Nas artes visuais, os criadores parecem ser continuamente tomados pela atividade, ao contrário de atores, que iniciam o processo, interrompem, depois retornam. Isso pode ser um mito, mas foi assim eu percebi", diz Leal.
A arte contemporânea também serviu de base para o desenvolvimento do personagem de Carmilla, interpretada por Dayres De Conto. Uma escultura e uma tela são elaboradas no palco, aos improvisos, no decorrer da peça. "Isso não é ensaiado. Toda peça irá gerar um trabalho diferente. Na pesquisa com atores procuramos investigar a arte contemporânea e a maneira como ela converte o ordinário em extraordinário, sua capacidade de resignificar objetos comuns", afirma a diretora.
Outro eixo da peça discute as amizades e as relações humanas. Leal destaca a ambigüidade das amizades, quando as atitudes de aparente bondade podem ter intenções malévolas. "Os valores da amizade são muito complicados e pouco explorados nas artes", comenta.
A cenografia de Ailton Galvão é dividida em duas partes. Segundo a diretora, uma delas conseguiu traduzir o vazio e a assepsia associados a espaços expositivos de galerias e museus. Por outro lado, um contínuo trabalho de desenvolvimento conjunto possibilitou a criação de espaços como obras com "cara de cenografia", segundo a diretora. Entre outros efeitos cêncios, Leal destaca o uso das sombras no primeiro ato, a partir do trabalho de iluminação de Anry Aider.
Serviço: Belvedere. Espaço Teatro Regina Vogue (Av. 7 de Setembro, 2775 Shopping Estação), (41) 2101-8292. Até 9 de julho, de quinta a domingo, às 21h. Ingressos a R$ 14 e R$ 7 (cartão Diversão e Arte).
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