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Bernardo Carvalho: novo livro do escritor carioca pretende, intencionalmente, provocar inquietação no leitor. A hegemonia da China e a militância das minorias entram no caldo | Filipe Redondo/Folhapress
Bernardo Carvalho: novo livro do escritor carioca pretende, intencionalmente, provocar inquietação no leitor. A hegemonia da China e a militância das minorias entram no caldo| Foto: Filipe Redondo/Folhapress
  • Lançamento: Reprodução - Bernardo Carvalho. Companhia das Letras, 170 págs., R$ 37. Romance.

Reprodução, novo romance de Bernardo Carvalho, um dos mais importantes escritores nacionais da atualidade, confirma uma suspeita: o autor não é um otimista. Ainda mais quando se trata de falar do Brasil contemporâneo, que ele enxerga, e descreve, como um país de incertezas, nebuloso, onde as aparências são enganadoras. É nesse cenário, dominado pela instabilidade, que brota o enredo do livro.

No centro da narrativa está um jovem, que personifica essa realidade algo desgovernada. Sem nunca ganhar um nome, ele é descrito como um estudante de chinês, impedido pela polícia de embarcar para a China. A razão aparente foi ele ter reconhecido, na fila de check in, uma de suas ex-professoras do idioma, que havia desaparecido meses antes sem deixar rastros.

Conduzido a uma sala para interrogatório, o personagem inicia um interminável discurso, no qual revela seu estado de desequilíbrio emocional. Embora não seja propriamente um louco, suas frases, proferidas de um só fôlego, demonstram esse estado de perturbação. Ele alterna justificativas evasivas a desabafos e acusações, com se fosse uma metralhadora verbal giratória.

Ao optar por assim abrir Reprodução, com o discurso desconexo, ainda que inteligível do estudante, Carvalho deixa claro que o livro pretende, intencionalmente, provocar inquietação no leitor. O mesmo parágrafo, que corresponde ao fluxo de pensamento errático do personagem central, se estende por dezenas de páginas, também não deixando quem lê o romance respirar. É propositalmente aflitivo.

O que mais incomoda no discurso do estudante é que, embora caótico na forma, suas ideias se articulam, permitem que nele identifiquemos aos poucos, página a página, um determinado tipo de sujeito muito recorrente no Brasil dos dias atuais: o cidadão indignado, que ganhou palco e caixa de ressonância nas redes socais. Ele é agressivo com as palavras e cheio de verdades embaladas sob a forma de frases de efeito. Essa técnica, ou lógica mental, provavelmente aprendeu na própria internet, solo fértil para colunistas e blogueiros igualmente vociferantes, e pouco argumentativos.

Em toda a sua verborragia, o personagem fala (mal) da militância das minorias, e das causas que elas defendem. Ele também briga pela ideia de que o futuro do planeta depende da hegemonia da China – por isso, teria decidido estudar mandarim e embarcar rumo ao país do Extremo Oriente, sem previsão de volta.

Ao mesmo tempo em que constata o poder que a internet exerce hoje em milhões no país, e ao redor do mundo, Carvalho também oferece ao leitor uma visão corrosiva desse admirável mundo novo. Para ele, embora interligadas, as pessoas estão, na verdade, cada vez mais isoladas e, graças à proteção do anonimato, se brutalizam, perdendo a humanidade. Regridem, enfim.

O estudante de chinês, no entanto, não é o único personagem importante em Reprodução. Há, também, uma agente da polícia infiltrada em uma igreja pentecostal, que fala aos borbotões na sala ao lado do recinto onde o rapaz está sendo interrogado. É interessante perceber que o que diz também se remete à ferocidade do que se fala na grande rede mundial, que virou território de todos e de ninguém.

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