Produtor de filmes B busca recursos para novo filme, em "O Crocodilo"| Foto: Divulgação/Downtown Filmes

Olavo Bilac – príncipe intocável dos poetas parnasianos – talvez não tivesse percebido a ironia. Ao andar pelas ruas do Rio de Janeiro em um dos primeiros automóveis do país, ao lado do abolicionista José do Patrocínio, ele estava, sem perceber, a bordo de um Cavalo de Tróia. O recém-criado monstrengo antiestético representava o mundo mecânico, "mundo que o Modernismo cantaria, glorificaria e temeria, conseqüência dele que era", nas palavras do historiador do movimento, Mário da Silva Brito.

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Ao lado de Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, formando a "tríade parnesiana", Bilac representava tudo aquilo que os jovens literatos recém-chegados da Europa queriam combater: a empolação, o uso de referências clássicas e a ditadura da métrica.

Se a Semana da Arte Moderna, em 1922, foi o marco histórico do Modernismo no Brasil, suas influências começaram a ser sentidas já no começo do século 20, aponta professora de Letras PUCPR, Marta Morais da Costa: "Euclides da Cunha já apresentava uma visão crítica do país em Os Sertões, de 1902, que repensa o conceito de sociedade e nacionalidade brasileira".

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Mas foi em 1912 que Oswald de Andrade, recém-chegado do Velho Mundo, apresentou ao público paulista as idéias importadas do Manifesto Futurista, que Marinetti publicou em 1909. O Manifesto pregava o combate ao academicismo e apresentava a proposta de uma nova literatura, com "o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada, o soco".

"Sem o conhecimento, ou pelo menos, em alguns casos, a notícia dos manifestos vanguardistas europeus que vinham da década anterior, o programa modernista de 22 não teria as características que teve. Mas é temerário afirmar em que medida isso se dá", explica a doutora e professora da Universidade Federal do Paraná, Marilene Weinhardt. O termo "futurista" começa a circular entre os meios intelectuais brasileiros pela grande imprensa, e em pouco tempo se torna uma classificação ofensiva, na boca dos puristas.

A polêmica entre Anita Malfatti e Monteiro Lobato, em 1917, serviu como um dos fatores catalisadores do que viria a ser a Semana da Arte Moderna, cinco anos mais tarde. É em 17, também, que Mário e Oswald de Andrade, símbolos do movimento, se aproximam; e são publicadas obras-chave como Juca Mulato, de Menotti del Picchia; e Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, de Oswald.

Os modernistas podiam não saber o que queriam, mas tinham absoluta certeza do que não queriam, como declararam alguns anos depois da Semana de 22. Em uma fase de letargia da literatura brasileira, declararam guerra a toda a produção literária dos 20 anos anteriores. Combateram a métrica e a rima, e buscaram construir uma identidade brasileira. "Tudo que valorizamos hoje como elementos essenciais da nacionalidade – o samba, o carnaval, a arte colonial, a expressão negra ou indígena, a sensualidade, a emotividade, o ócio, etc., que compõem o que nós somos – sofreu uma valorização nesse período", aponta o escritor e colunista da Caderno G, Miguel Sanches Neto.

A Semana

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Já nos anos 20, os "futuristas", como eram chamados de forma pejorativa os modernistas, preparam o cenário para o que viria a ser a Semana da Arte Moderna. Mário e Oswald de Andrade, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia e Sérgio Milliet, entre outros, constituíram-se como um grupo relevante no cenário literário, particularmente o paulista. Era o momento de lançar-se como um movimento.

No dia 11 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal, em São Paulo, foi inaugurada a Semana de Arte Moderna, com exposições de artistas plásticos, conferências e recitais de poesia. "A Semana foi uma evolução natural na literatura brasileira. Sem ela, haveria um modernismo, mas não no tempo em que aconteceu", esclarece a professora Marta Morais da Costa. "O que ficou durante os 30 anos seguintes foi a forma que tomou a literatura nacional, com liberdade de pesquisa estética e o experimentalismo", explica o crítico literário e colunista do Caderno G Wilson Martins, autor do livro História da Inteligência Brasileira.

Desdobramentos

Apesar da importância incontestável que a Semana de Arte Moderna teve para as artes brasileiras, sua relevância como evento não foi revolucionária da forma como imaginavam seus integrantes. "A repercussão imediata fora da cidade de São Paulo é pífia, quando existe. Foi o que a antecedeu e a continuidade da programação modernista que fez com que não se limitasse a uma ‘festa’", afirma Marilene Weinhardt, recorrendo a Mário de Andrade. Mas foram os experimentos de linguagem, como em Macunaíma, que forneceram as ferramentas para o que seria o romance e a poesia das décadas de 30 e 40, com nomes como Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos.

O Paraná do período ainda estava envolto nas brumas simbolistas de Emiliano Perneta e Dario Velloso, e os modernistas eram recebidos com chacotas, gozações e desmoralizações, aponta Wilson Martins. Vinte anos mais tarde, com a revista Joaquim (1946 – 1948), criada por Dalton Trevisan, o estado entrou no mapa da arte moderna.

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"A força da literatura convencional era tão grande (no estado) que Dalton Trevisan, e toda a revista Joaquim, tiveram que ser muito virulentos para destruir esta arte passadista, herança de um romantismo e de um simbolismo temporão", explica Miguel Sanches Neto, destacando que o modernismo permitiu, do ponto de vista estético, uma literatura mais leve, menos pomposa e, do ponto de vista temporal, fez com que o Brasil se aproximasse da contemporaneidade mundial.