Mecanismo
Lei surgiu para incentivar a cultura e suprir carências no país
Conhecida como Lei Rouanet, a Lei Federal de Incentivo à Cultura foi criada no final de 1991 e preencheu a lacuna deixada pela Lei Sarney, de 1986, que havia sido suspensa pelo presidente Fernando Collor de Mello até 1990. Lançada pelo secretário da Cultura da época, Sérgio Paulo Rouanet, ela traz entre seus princípios: a valorização de recursos humanos e de manifestações culturais; a proteção de expressões que garantem o pluralismo da cultura nacional; e a preservação de bens materiais e imateriais do patrimônio histórico brasileiro.
A lei busca fazer com que empresas e cidadãos invistam na cultura de modo a torná-la acessível aos brasileiros. Ela não trabalha com a transferência direta de recursos aos proponentes, mas com um sistema de abatimento fiscal dos incentivadores. Em outras palavras, parte do dinheiro investido pelos patrocinadores será usada na dedução do Imposto de Renda devido por eles.
1.495 projetos paranaenses foram aprovados pela Lei Rouanet entre 2008 e 2012, mas apenas 588 conseguiram captar recursos.
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Ter seu projeto aprovado por uma lei de incentivo à cultura não significa que ele conseguirá dinheiro suficiente para sair do papel. Um levantamento realizado no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), mantido pelo Ministério da Cultura (MinC), revela que, dos 1.495 aprovados pela Lei Rouanet no Paraná entre 2008 e 2012, apenas 588 conseguiram captar alguma verba desses, 72% são propostas apresentadas por empresas, associações e fundações.
A captação de verba também não foi plena. Dos quase R$ 709 milhões aprovados, menos de R$ 159 milhões chegaram às mãos dos proponentes. Para o pesquisador de música e ex-conselheiro nacional de políticas culturais Manoel José de Souza Neto, isso não é surpresa. "Não é de hoje que a Lei Rouanet faz isso. A ampla maioria dos aprovados não consegue ter captação suficiente para fazer o projeto andar", diz.
A professora do curso de produção cênica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Celeste Fernandez, que também é produtora cultural, sabe desse entrave e, por isso, recorreu a outras fontes para conseguir fazer seu projeto funcionar. "É muito difícil para produtores menores conseguirem emplacar propostas. Nós acabamos competindo com nomes internacionalmente conhecidos que sempre são beneficiados pela lei", conta.
O pesquisador Souza Neto vai mais longe. Ele acredita que a Lei Rouanet desrespeita a própria Constituição Federal, especificamente a emenda 48, que trata da defesa da valorização do patrimônio cultural brasileiro e da democratização do acesso aos bens de cultura. "A lei é regida pelo mercado. Quem tiver capital simbólico e nome na mídia consegue captar dinheiro. Os outros acabam esquecidos", considera.
A falta de conhecimento do funcionamento legal também impede que empresas participem. É o que pensa a produtora cultural Monica Drummond, que, desde 1997, trabalha com a produção de projetos culturais. "Quando ficam sabendo que o Imposto de Renda está envolvido, acabam se afastando por mero receio. Há muita insegurança na hora de fazer um aporte de recursos", opina.
Reforma
Segundo a professora Celeste Fernandez, para fazer com que a cultura chegue a diferentes camadas da população, é importante reivindicar uma reforma nas leis de incentivo. "Dinheiro público está sendo usado em projetos gigantes que, em vez de fornecerem cultura às pessoas, cobram ingressos delas. Falta contrapartida social", analisa. Monica Drummond aponta caminhos que podem fazer com que a Lei Rouanet seja mais justa. Entre eles, estão uma campanha do próprio MinC para explicar às empresas como funciona a lei e outra seria uma regionalização dos apoios financeiros. "Acredito que o correto seria que empresas que faturem num estado só possam apoiar projetos dele. Isso seria fantástico", sugere.
Festival de Teatro é o grande captador do Paraná
Com quase R$ 21 milhões, o tradicional Festival de Teatro de Curitiba é o campeão na captação de recursos por meio da Lei Rouanet. Entre 2008 e 2012, a Parnaxx e a Associação para o Incentivo da Cultura e do Entretenimento foram as proponentes dos projetos das edições número 18, 19, 20, 21 e 22 do evento.
Segundo o diretor do festival, Leandro Knopfholz, se não fosse pela lei, o evento não teria condições de acontecer. "A arrecadação pode ser dividida em 20% de receitas diversas, como bilheteria, e 80% do orçamento patrocinado. Dessa quantia, outros 80% provêm de recursos conseguidos por meio da Lei Rouanet. Sem ela, o Festival de Teatro seria inviável", explica.
Em relação às áreas da cultura que mais conseguem captar verba, a liderança fica com as artes cênicas, com 169 projetos. Em seguida, vêm a música (154), a área de humanidades (79) e as artes integradas (62). Segundo o ex-conselheiro nacional de políticas culturais Manoel José de Souza Neto, isso não é acidental e acontece por causa da dependência das artes cênicas de espaços públicos, como auditórios e teatros, diferente da música e do cinema, normalmente executados em espaços privados. "Quanto mais dinheiro as artes cênicas receberem, mais o Estado se beneficia, porque ele não deixa suas salas ociosas", argumenta Souza Neto.
O ex-conselheiro critica, inclusive, o modelo de divisão das "7 grandes áreas da cultura", que acredita estar ultrapassado por datarem do primeiro Conselho de Cultura, de 1938, na ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945). "Elementos importantes como moda, arquitetura e até a cultura da música remixada não são levados em consideração pelos critérios usados atualmente", justifica Souza Neto.