O escritor e ensaísta baiano Antônio Risério acusou nesta terça-feira (29) a editora 34 de “censura” após a publicação de seu romance “Que Você é Esse?” ter sido recusada.
Risério afirmou que o selo, pelo qual lançou seus últimos livros, desistiu da publicação pois um dos capítulos narra episódios comprometedores de campanhas políticas. Como Risério trabalhou como diretor de conteúdo das campanhas presidências do PT de 2002 a 2010, o escritor viu “censura política na recusa. Risério hoje está brigado com o partido governista e é filiado à Rede.
“Evidentemente que isso é uma censura. ‘Não vamos publicar seu livro porque ele vai prejudicar Dilma e o PT’. Isso é fruto de um sectarismo desses meses. Eu já vivi muitas crises políticas na minha vida, mas esse é um momento de sectarismo que eu nunca vi antes”, diz Risério.
O autor divulgou um trecho da nota da editora com a justificativa da não publicação para o jornal Folha de S. Paulo:
“Em face do acirramento da crise, com a turma pró-impeachment apelando para medidas ilegais e até criminosas para levar a cabo (...) a derrubada do atual governo (...), não nos sentiríamos bem engrossando esse caldo. Num momento em que o bom senso e a reflexão crítica estão indo por água abaixo, o seu livro poderia ser instrumentalizado nesse sentido”, dizia um trecho da mensagem.
Após a repercussão do o caso, a editora 34 publicou uma nota oficial em que afirma que a recusa se deu por “problemas literários”. Na nota, a editora diz se “orgulhar” das obras de Risério que publicou, mas afirma que “constatou vários problemas de ordem literária”, como “falta de tensão na voz narrativa, digressões excessivas por parte do narrador, mistura (literariamente contraproducente) das vozes do narrador e dos personagens”, entre outros.
A 34 afirma ainda que as passagens sobre o marketing político “soavam mais como um desabafo pessoal do que uma construção literária de peso” e acha “descabido” o uso do termo “censura”.
Abrigo Literário
Nesta quarta-feira (30), o editor de não ficção e literatura brasileira da editora Record, Carlos Andreazza, disse que sua editora vai dar “abrigo literário” a Risério e vai publicar seu romance.
Andreazza, que ganhou notoriedade ao publicar nomes tidos como conservadores ou ligados à “nova direita brasileira, como Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino, cobrou em sua página no Facebook os intelectuais brasileiros a se manifestarem sobre o caso.
“Cadê o manifesto de escritores, editores, livreiros etc. em defesa do autor censurado? Não há. Não haverá. Mas não importa.Acabo de conversar com Antonio Risério, a quem ofereci abrigo editorial. ‘Que você é esse?’, o livro censurado, sairá pela Record, onde não há tempo ruim, a casa da pluralidade”, escreveu Andreazza.
À esquerda do PT
Risério explica que seu livro é um “romance de geração” , cuja narrativa começa nos anos 1960 e chega até hoje contando a trajetória da família do protagonista e segue seu caminho ao longo das décadas - em um primeiro momento viraria hippie, depois comunista e por fim vai trabalhar em campanhas eleitorais.
“‘Que Você é Esse?’ é uma gíria baiana que parece Heidegger. Você usa quando está jogando bola e aquele seu amigo lhe dá uma porrada. Expressa meu estranhamento com tudo”, diz.
O trecho que causou a celeuma com a editora 34 está no oitavo capítulo, segundo o autor. “É o que trata desses jovens que entraram no marketing achando que iam botar a esquerda no poder pelo voto. Depois, foram se decepcionando com o PT traindo a ética, se convertendo num antro de larápios”, afirma Risério.
O escritor destaca, porém, que o livro não é sobre isso -e que o assunto é tratado em apenas um capítulo. “O livro não fala em impeachment. É um livro à esquerda do PT”, afirma.
Antropólogo e ensaísta, Risério durante muito tempo atuou na esquerda. Além de trabalhar nas campanhas do PT - e chegar a escrever os discursos da presidente Dilma Rousseff em seu primeiro mandato, foi assessor de Gilberto Gil no Ministério da Cultura.
Veteranos de campanhas eleitorais, Risério diz ver nos marqueteiros uma mistura de Goebbels, ministro da propaganda nazista, com Odorico Paraguaçu, personagem criado por Dias Gomes na novela “O Bem-Amado”, um político corrupto e populista obcecado por inaugurar o cemitério da cidade.
“Acho que é narcisismo demais um editor achar que um livro que ele publica vai derrubar um presidente. Isso pode acontecer, mas só em casos muito excepcionais na História”, conclui.
Leia a íntegra da nota da Editora 34 sobre o caso:
“A Editora 34 é apartidária e contra qualquer forma de censura. Entendemos que a relação entre autor e editora é pessoal e privada, e por isso não costumamos divulgar, em respeito aos autores que nos procuram, os motivos de recusa de um original. Foi o que levou a não nos manifestarmos na nota publicada na coluna de Mônica Bergamo do dia 30/3.
Diante da controvérsia gerada, nos vemos na obrigação de esclarecer alguns fatos.
A Editora 34 já publicou três livros de ensaios de Antonio Risério - A utopia brasileira e os movimentos negros (2007), A cidade no Brasil (2012) e Mulher, casa e cidade (2015) -, dos quais muito se orgulha. Acolheu o romance “Que você é esse?”, com publicação prevista para este ano, mas constatou vários problemas de ordem literária, tais como: falta de tensão na voz narrativa, digressões excessivas por parte do narrador, mistura (literariamente contraproducente) das vozes do narrador e dos personagens, bem como dos personagens entre si. A primeira parte da carta a ele endereçada dizia respeito exatamente a esses aspectos - e fazia sugestões nesse sentido.
Ciente de que Risério trabalhou por muitos anos como assessor de marketing político em campanhas eleitorais e de que certas passagens do livro soavam mais como um desabafo pessoal do que uma construção literária de peso, a Editora 34 manifestou seu desconforto com a possível instrumentalização dessas passagens. É um trecho desta segunda parte da carta que a Folha transcreveu na edição de ontem.
Por isso nos parece totalmente descabido o termo “censura” utilizado na nota. Trata-se muito simplesmente do direito de uma editora de declinar de um original que considera insatisfatório, mesmo quando admira seu autor por outras obras e outros motivos, como é o caso de Risério”.
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