Foram quase cinco anos nos "porões" da música independente do Brasil, aquela que dificilmente toca no rádio. Nesse período, ele lançou três discos independentes, brigou com as gravadoras, conseguiu que os CDs fossem numerados no Brasil, criou uma revista (OutraCoisa) que distribui CDs de bandas novas. Mas, oficialmente neste domingo (15/4), às 21 horas, Lobão retorna ao "mainstream" da música nacional com a veiculação do seu Acústico MTV, um projeto que transforma em sucesso todos os trabalhos que levam seu selo, representando muitas vendas e sendo, muitas vezes, a tábua de salvação de carreiras decadentes.
Lobão completa 50 anos este ano e não parece estar em decadência, como comprovaram seus três últimos CDs independentes. Mas está lançando o CD/DVD Acústico MTV pela major Sony & BMG, uma das empresas com as quais teve sérios embates nos últimos anos. Contradição? Não na visão do sempre polêmico músico brasileiro, que esta semana concedeu entrevistas para divulgar o novo trabalho. Confira a seguir os principais trechos do bate-papo com o Caderno G.
Caderno G Mudou o Lobão ou mudaram as gravadoras?Lobão Minha primeira resposta a essa coisa de contraditório é o disco. Sempre falo isso como exercício de retórica, mas o que quero dizer com ele é: "Chega de me ouvir falar, ouçam o que tenho a mostrar como músico". Porque as pessoas esqueceram que sou compositor. Não adianta nada ficar brigando como um falastrão psicodélico, quando várias pessoas, inclusive meus antagonistas, podem me contrapor dizendo que sou um fracassado, que não existo mais. Eu só falo porque quero ser ouvido. E como quero ser ouvido não quero mais falar.
Mas por que um disco acústico?Quando fui lançar o Canções na Noite Escura (seu disco anterior), cai na asneira de ser cortês e fazer um show fechado em Porto Alegre. Mas fui escorraçado do palco porque não estava tocando apenas as músicas de sucesso. Na quinta música, um cara me empurrou do palco, falou que eu era decadente, que não queria ouvir as músicas novas. O cara forçou a barra no camarim, me deu um soco que me perfurou o tímpano. Passei um mês com tímpano perfurado, mais três meses deprimido. A minha turnê foi cancelada, não pude tocar porque estava surdo. O disco foi para o ralo, pois música independente no toca no rádio. E se não faz show, o disco aborta.
Não vou ficar mais quatro anos trabalhando para receber críticas blasés de um trabalho que é muito melhor do que falaram. E depois, ainda ficar sendo evidenciado como um ativista. Tá bom, estou sendo ativista porque quero um espaço. Na medida que não consigo esse espaço, vou procurar uma outra maneira de ser ouvido. Eu sou músico. As pessoas ficam decepcionadas comigo ou acham que podem ficar decepcionadas comigo por puro desrespeito, porque acham que sou um burro de carga, que tenho que ficar carregando o mundo nas costas. Ninguém está do meu lado, fico sozinho brigando.
As pessoas estavam perguntando na rua por que eu havia parado (sendo que não havia), estava me sentindo vulnerável. Esse é um país em que a cultura do mérito não existe, em que se você não está fazendo sucesso você é um merda. Mas é assim que todo mundo entende? Então, vou imediatamente voltar ao lugar que é meu, o primeiro lugar da rádio. Quem ouvir o Acústico, vai notar que dez das músicas foram sucessos nacionais. E deixei de colocar outras 15 da mesma estirpe. Da minha geração, sou o cara que detém o maior número de sucessos e as pessoas não se lembram disso. Não quero ficar lutando sozinho, dando uma de Dom Quixote e as pessoas não reconhecendo meu trabalho.
E o retorno do contato com as gravadoras, como foi?Estou orgulhosíssimo de ter voltado a gravar com uma grande gravadora, com pessoas novas. O presidente da Sony & BMG tem 40 anos. Eu mudei a história da indústria fonográfica brasileira e por isso me dei o luxo de escolher o que gravar e em que gravadora lançar. Fiz o que quero. Acho um desrespeito, sabendo da minha trajetória, que fiquem especulando, tendo um prognóstico primário de que corri da raia. Não sou nenhum antílope, sou um predador! Estão pensando que sou Madalena arrependida, que vou ficar renegando a minha história. Quem é que tem a obra como a minha, que pode fazer um acústico com essa qualidade sonora e musical, de composição, letra e interpretação? Estou fazendo esse disco porque mereço e acho que o público merece me ter. Em um país de m... desse, eu privar o público da minha música é uma p... falta de higiene. (risos) Para um público que adora Calypso, Chico Buarque, eu sou um colírio, um oásis. (muitos risos)
Por que chamou o Carlos Eduardo Miranda, identificado com o cenário independente para ser o produtor do CD?O Miranda seria outra contradição. Um cara ligado à música independente não pode fazer acústico? Acho esse pensamento isso uma babaquice. Mas também acho ótimo, porque esse evento se torna circunstancialmente uma provocação, o que adoro, e faz eclodir toda a mentalidade tacanha que forma o atraso da cultura brasileira.
E como fica a OutraCoisa?Tenho uma revista que existe há quatro anos e só fala de música independente, dos artistas da nova geração. Com a visibilidade que vou ter com o Acústico vou conseguir muito mais recursos para a OutraCoisa. Você não imagina a dificuldade dos primeiros anos, indo de porta em porta para conseguir dinheiro para fazer a revista. Pode imaginar a facilidade que terei agora me apresentando como empresário? "Sou o Lobão do Acústico e quero que você faça minha revista", como isso vai facilitar para todo mundo? Com meu prestígio, vontade e atrevimento, não posso aliciar a Sony & BMG a contratar novos talentos, que necessariamente precisamos para construir um novo cenário da música brasileira? Será que isso é uma contradição? Durante o processo da numeração, sempre falei que queria tocar no rádio. Mudei a indústria fonográfica brasileira e criei todo um cenário independente. As pessoas não percebem isso, não? E isso foi apenas o troco, pois fiz tudo apenas para ser ouvido.
Como será sua carreira daqui para frente? Continuará lançando discos por majors?Estou fechando um ciclo de 50 anos. Até o final de 2007, meu projeto é divulgar esse disco. Vamos fazer um megaturnê, que começa no fim de maio e vai passar pelas principais cidades brasileiras. Vamos para a Europa também. Em dezembro, para o natal, sai uma caixa de luxo, com todas as minhas músicas, pelo selo Universo Paralelo/Sony & BMG. Tenho um contrato prevendo um disco de inéditas, mas não sei se vou continuar sendo músico. Nos próximos 50 anos, a partir de 2008, eu nasço para uma nova vida. Quero tirar férias, viajar. Quero deixar minha obra para as pessoas digerirem, tudo o que não foi colocado, pois sou um cara exilado. Com as 21 músicas desse projeto acústico estou apresentando meu enredo, sirvam-se.
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