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Concorrência evangélica

A inconstitucionalidade da Lei Estadual de Incentivo à Cultura coincidiu com um projeto de lei proposto pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) que inclui as igrejas entre as beneficiárias da Lei Rouanet. Crivella – sobrinho de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus – argumenta que as igrejas representam entidades formadoras da cultura nacional, o que justificaria a possibilidade de serem incluídas nos editais. As igrejas poderiam apresentar projetos de preservação e construção de novos templos.

O projeto é polêmico, mas tem o apoio da bancada evangélica do Senado, apesar de alguns senadores, como Tasso Jereissati (PSDB-CE) já terem se manifestado contra a lei.

"Estão querendo estender demais a definição de ‘cultura’", afirma o diretor teatral César Almeida. A ex-secretária da Cultura do Paraná, Monica Rischbieter também não aprova o projeto. "Sou absolutamente contra. Essa medida pode levar empresários evangélicos a destinarem dinheiro de manifestações artísticas somente para esse tipo de projeto", conclui.

Agora é fato: o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais os artigos 4.º e 6.º da lei 13.133/01, que criou o Programa Estadual de Incentivo à Cultura, que contaria com recursos do Fundo Estadual de Cultura e do Incentivo Fiscal – Mecenato para a produção artística no estado. O processo estava no tribunal desde 2001, quando o então governador do Paraná, Jaime Lerner, entrou com recurso alegando contrariedade da lei ao artigo 167, inciso IV, da Constituição Federal, que proíbe a vinculação de receita de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

A decisão coloca um ponto final no arrastado capítulo de incentivo à produção artística no estado. Mas de maneira alguma encerra a discussão.

A inconstitucionalidade da lei já era conhecida desde seu princípio, explica Monica Rischbieter, produtora cultural e secretária da Cultura durante o governo Lerner. A lei de incentivo do Paraná foi a primeira criada após o surgimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que exigiu um maior controle do arrecadamento e gestão de orçamento. "A decisão do tribunal é uma tragédia para nós, mas temos que encontrar outras formas de viabilizar os projetos", acredita Monica.

O assessor jurídico da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (Seec), Aloisio Douglas Miecznikowski, concorda que, desde que foi publicada, já se sabia que a lei era inconstitucional, portanto a decisão do STF não altera os rumos da política cultural no estado. "Na prática, não mudou nada. Atualmente, está em fase de estudo a criação de um fundo estadual de cultura que destine recursos orçamentários para as produções culturais locais", afirma. No entanto, ainda não se sabe qual seria o formato desse fundo ou como seria feita a seleção dos projetos. A atual secretária da cultura, Vera Mussi, não foi encontrada pela reportagem para comentar o tema.

Para parte da classe artística paranaense, a ausência de uma lei de incentivo estadual se deve, basicamente, à falta de vontade política. "A cultura deveria ser uma área estratégica para o governo, tão importante quanto saúde, educação, etc. Mas ela é sempre considerada o 'patinho feio' das secretarias", aponta Geraldo Pioli, cineasta. Para ele, a classe artística deve se unir para conseguir pressionar o governo a adotar políticas culturais consistentes. "A maior parte dos artistas está envolvida em suas próprias produções, dedicando muito pouco tempo para a militância política na área cultural", completa.

Apesar de existir desde 2001, nenhum artista se beneficiou da Lei Estadual de Incentivo à Cultura justamente por ela ter sido considerada inconstitucional desde seu princípio. Um edital chegou a ser aberto – mas o processo foi instalado antes da captação de recursos.

"Mais uma vez, é falta de vontade política. O governo atual já deixou bem claro que não gosta da manifestação artística", afirma César Almeida, diretor teatral. "Se a lei é inconstitucional, ela deve ser corrigida. Mas o governo precisa querer", diz ele, que ressalta ainda a importância dos recursos públicos para a produção artística no país, ainda muito dependente do governo.

Saídas

Enquanto outras alternativas não são criadas pelo governo estadual, a classe artística da capital se beneficia sobretudo da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, em vigor desde 1993. A lei federal, de 1991, conhecida como Lei Rouanet e que permite que até 4% do imposto de renda devido seja aplicado em produções culturais, continua sendo pouco usada pela classe artística local, devido às inúmeras dificuldades que oferece na captação de recursos.

A gestão do governo Lerner da Seec criou um programa que procurava preencher a lacuna da lei estadual: o Conta Cultura. Os projetos aprovados pela Lei Rouanet eram encaminhados à secretaria e selecionados por uma comissão que se encarregava de captar recurso junto a empresas estatais. Atualmente, o programa não está mais em vigor. "Ainda estamos estudando outras maneiras de incentivar à cultura no estado", afirma Aloisio Miecznikowski, assessor jurídico do órgão público.

Tanto César Almeida quanto Geraldo Pioli são unânimes na aprovação do Conta Cultura. "Foi um dos instrumentos mais democráticos já criados no Paraná", afirma Pioli, que aponta a insuficiência de recursos na lei municipal para projetos de maior porte, como filmes de longas-metragem, e a necessidade de uma lei estadual que beneficiasse produções de médio porte e projetos culturais do interior do Paraná.

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