A notícia teria traços de um obituário.
"Depois de dedicar a vida para um ideal de civilização, as livrarias de rua morreram ontem em Curitiba, vítimas de leitores imprestáveis e de um governo desumano. A morte foi lenta, agonizante e desapercebida à maioria das pessoas."
Alguns livreiros imaginam um parágrafo como o anterior estampado nos jornais de um futuro próximo demais para ser evitado. A morte das lojas de rua atestaria, enfim, a supremacia das megastores instaladas em shopping centers.
Sem meias-palavras, a situação atual é descrita como a maior crise na história do mercado editorial. Os empresários sugerem que "o Brasil não está para leitores", assim como o pescador reclama a ausência de peixes no mar. Eles estão prestes a beijar a lona, enquanto as redes grandes de livrarias ficam ainda maiores.
Porém, há um pequeno grupo de livreiros que enxergam o copo cheio pela metade são os otimistas. Estes acreditam que as velhas senhoras morrem, mas deixam herdeiros: uma nova geração de livrarias de rua. O adeus seria então para um formato concebido em uma época que não conhecia shopping centers nem megastores, e livrarias virtuais eram ficção científica. Leia sobre os otimistas à página 3.
De volta aos pessimistas (ou seriam realistas?).
A crise pode ser medida pela quantidade de boatos que circulam à boca pequena, quase sempre relacionados à bancarrota. "Ouvi dizer que o sujeito anda mal das pernas", "Você soube que ele vai fechar?" e "Dizem que ele quer vender" são frases que a reportagem ouviu de várias fontes diferentes sobre lojas distintas.
Os boatos foram negados. A situação não tem os contornos dramáticos que a boataria prega, mas os livreiros estão desolados.
Aramis Chain, da Livraria do Chain, faz críticas contundentes a tudo que o desagrada e a lista não é pequena. De pessoas que saem para passear com seus cachorrinhos até professores iletrados, ele não economiza palavras. Essa personalidade, polêmica de certa forma, tornou Chain célebre e querido pelos seus clientes.
"Sou um dos 300 espartanos", diz, olhando sobre os óculos e sorrindo. Ele faz referência ao grupo de soldados comandados pelo rei Leônidas que, em 480 a.C., encarou um exército persa de pelo menos 250 mil homens há fontes que citam milhões na Batalha das Termópilas. Os espartanos terminaram mortos, mas conseguiram retardar o avanço dos persas pela Grécia tempo suficiente para salvar Atenas e, com ela, a civilização ocidental.
Na opinião de Chain, o que ocorre é uma "crise moral". "Estão subvertendo a idéia de livraria, de família e de governo", afirma. Antes de entrar no mercado editorial 45 anos atrás, ele lecionou História. Hoje, ainda fala como quem dá aula. Responde perguntas com outras perguntas ou deixa frases em aberto para o interlocutor completar.
Os freqüentadores de shopping são definidos por Chain como "público da Coca-Cola e do MacDonalds", daqueles que querem tudo "pronto, feito e empacotado", dos que buscam uma embalagem mais bonita que o conteúdo. "E livro é conteúdo."
Faz 38 anos que sua loja fica em frente ao prédio da Reitoria, onde funcionavam diversos cursos universitários. Hoje, restam poucos Letras é um deles. O êxodo dos estudantes para outra sede da Universidade Federal do Paraná poderia explicar a queda no movimento das livrarias da região. Uma das máximas do comércio de rua é que todos quem vende livros inclusive dependem da vizinhança.
Os poucos estudantes que ainda circulam entre a praça Santos Andrade e a Rua General Carneiro não conseguem sustentar lojas grandes como a do Chain e a do Guerreiro. Quando os alunos precisam ler qualquer coisa invariavelmente indicada pelo professor , preferem apelar para um dos 12 estabelecimentos na região que fazem fotocópias. Doze.
A área tem também uma Livrarias Curitiba no encontro das ruas XV de Novembro e Conselheiro Laurindo aberta em 80. Esta não chega a dar prejuízo, segundo o diretor comercial Marcos Pedri, mas é a única sede da rede que não cresce.
A reportagem não considerou as livrarias monotemáticas que trabalham com os chamados "livros técnicos" e têm somente obras de Direito, ou só de Medicina entre outras áreas.
Não bastasse os problemas já listados, visíveis há pelo menos uma década, Chain reclama de acadêmicos que "compram mais cervejas do que livros" e diz que isso explica as livrarias próximas de instituições de ensino quebrarem com freqüência, mas os bares, não. Conservador como o seu público, o comerciante nunca mudou uma estante de lugar. Se mudasse, "ninguém entenderia mais nada". Ele jamais cogitou a idéia de levar sua loja para um shopping e prefere ir à falência do que vendê-la. Oito ou oitocentos.
Joaquim Carracház Guerreiro não é tão radical e diz que, se alguém quiser comprar sua livraria, hoje com 28 anos, ele vende. Mas sublinha: ter disposição de vendê-la é diferente de estar procurando um comprador.
"O mercado está implodido, a classe média, achatada. As livrarias foram engolidas pela necessidade de celulares e tevês a cabo", acredita. O futuro imaginado por Guerreiro é dominado pelas gigantes multinacionais.
Eleutério de Oliveira Burrego trabalhou anos ao lado do Chain, saiu para abrir sua própria livraria, quebrou e hoje está na Guerreiro. Ele reconhece a existência de uma "crise geral", observa que as lojas de shopping não investem em acervo porque são reféns dos best sellers e acredita que o panorama está para mudar.
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