Steven Tyler não desanimou com a chuva de São Paulo nem com hematomas de queda recente e fez show com muitos clásicos| Foto: Adriano Vizoni/Folhapress

Em pouco mais de um ano, muito mudou para o Aerosmith. A banda em frangalhos que passou por São Paulo em maio do ano passado deu lugar a um quinteto de sessentões com o vigor dos velhos tempos. O grupo era espécie de quebra-cabeças confuso, com cada integrante seguindo para um lado. Steven Tyler e Joe Perry, voz e guitarra da banda, ocupavam lados opostos. O vocalista mergulhava nos vícios de drogas e álcool, enquanto Perry já dizia que iria abrir uma seleção e que o Aerosmith seguiria sem Tyler. Enquanto isso, o baixista Tom Hamilton, aquele creditado como o apaziguador das picuinhas entre Tyler e Perry, uma espécie de Mick Jagger e Keith Richards, lutava contra um câncer na garganta.

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Após a reabilitação de Tyler – ele jura ter escapado do abismo dos abusos, e de sua divertidíssima participação como jurado do programa American Idol –, e da recuperação de Hamilton, o grupo voltou com tudo. A turnê que passou por São Paulo na chuvosa noite de domingo ganhou o nome de Back On The Road, ou seja, "de volta à estrada". Para deixar o passado conflituoso para trás, a ideia é presentear os fãs com apresentações relembrando os primeiros 20 anos de carreira. Como se Tyler, Perry, Hamilton, Brad Whitford (guitarra base) e Joey Kramer (bateria) fossem garotões de novo, após sobreviver a todos os extremos do lema "sexo, drogas e rock-and-roll" por 41 anos.

O Aerosmith é uma banda de arena – e, veja bem, o grupo não possui outra opção, já que o último disco de inéditas da banda é Just Push Play, de 2001. E a apresentação de ontem serviu para reafirmar isso. Às 20h15, uma sirene ecoou pela Arena Anhembi, um (brega) anúncio de que o show iria iniciar com um atraso quase irrelevante. "São Paulo!", gritou Tyler, do backstage, outra manobra também manjada, mas que foi efusivamente aplaudida pelos cerca de 35 mil presentes.

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Tyler e Perry surgiram juntos do fundo do palco, enquanto os outros integrantes apareceram pelos lados. Tyler vestia um sobretudo dourado – largado já na terceira música do show –, chapéu e óculos escuros, para disfarçar o olho roxo ganho após uma queda no banheiro do hotel, no Paraguai. Perry, também espalhafatoso, usava um blazer roxo.

Set list

A banda atacou logo com um trio setentista: "Draw the Line" (disco homônimo, de 1977), "Same Old Song and Dance" (Get Your Wings, 1974) e "Mama Kin" (Aerosmith, 1973). O público presente, cuja maioria sequer havia nascido nessa época, mais vibrava pela presença da banda no palco do que pelo conhecimento das canções executadas.

São músicas da verve mais blueseira do grupo, que expõe todas as influências de Joe Perry, um dos últimos "guitar heroes". Influenciado por mestres como Muddy Waters e B. B. King, ele desfilou solos precisos, com um timbre só seu, e exibiu sua franja com uma estilosa mecha branca esvoaçada pelo vento.

Perry e Tyler parecem dividir as atenções e o setlist da apresentação.

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Enquanto a guitarra era exaltada no híbrido do gênero do Delta do Mississipi com hard rock dos anos 70, as baladas foram a chance de Tyler mostrar que sua voz, apesar dos 63 anos, é poderosa e ainda consegue alcançar os altos tons dos velhos tempos. Com o apoio de backing vocals com precisão cirúrgica, Tyler se mostra como uma espécie de vocalista que não se vê mais por aí. Ele mantém a forma e remexe o corpo magricelo sensualmente. A parte feminina do público – das adolescente às mais velhas – delirava a cada rebolado do seu quadril esquelético.

Quase todos os hits açucarados foram lembrados ("Amazing", "What It Takes", "I Don’t Want To Miss a Thing" e "Cryin’"). Somente "Crazy" e "Jaded", que embalaram muitas crises de choro adolescente, ficaram de fora. Um ou outro fã mais jovem reclamou, mas a grande maioria parecia delirar com a apresentação vigorosa. Nem mesmo a chuva, uma garoa fina irritante que caiu insistentemente durante todo o show, atrapalhou a performance.