Se essa rua fosse minha: carro da Polícia Militar circula no meio da multidão que ocupa a Rua São Francisco| Foto: Hugo Harada

Blitz

Polícia Militar dá sua versão do que ocorreu na madrugada do dia 11

A pedido da reportagem, a assessora de imprensa da Polícia Militar do Paraná, Márcia Santos, disse que explicaria brevemente o ocorrido no último fim de semana na Rua São Francisco. De acordo com a versão dos policiais, o Batalhão de Polícia de Trânsito realizava uma blitz na região da Praça Santos Andrade. Uma equipe foi averiguar uma denúncia de roubo de veículo e flagrou o crime. O suspeito, que teria várias passagens pela polícia, reagiu e foi baleado na perna.

"Aí o povo que estava na rua, alguns jovens, viram a situação e, com pedras e garrafas, foram para cima dos policiais", diz Márcia. O Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope) foi acionado na sequência. "A equipe utilizou técnicas para distúrbios civis incontroláveis", afirma Márcia. Essas técnicas preveem "dispersão" e uso de munição "menos que letal". A versão da PM é confirmada por alguns donos de estabelecimentos da região. Frequentadores da rua disseram em redes sociais que o policial teria atirado no suspeito enquanto ele estava no chão, e por isso o confronto começou. A PM afirma que está "checando os fatos" e que irá abrir um procedimento interno para investigar o ocorrido. A assessoria não informou o hospital em que o suspeito está internado, alegando que ele está "sob custódia".

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Testemunhas

Grupo de teatro se envolveu com as mudanças da região

Em 2011, o jornalista Valmir Santos incorporou à crítica da peça Homem-Piano, assistida durante um Festival de Curitiba, a experiência com o taxista que não quis levá-lo à sede da CiaSenhas, na Rua São Francisco. "Lá não tem teatro, só tem boca de fumo", disse o motorista, parando três quadras antes.

Instalada no local desde 2008, a companhia representou por vários anos a única opção cultural da região, que à noite era escura e, realmente, prato cheio para usuários do crack – o teatro foi assaltado duas vezes em anos passados. Movimentação diferente, só em dia de peça.

Desde que alugaram o imóvel e passaram a ensaiar ali, os artistas viram a reforma das calçadas, a nova iluminação e a construção da Praça de Bolso do Ciclista, da qual participaram, além da crescente ocupação da região.

Neste ano, a CiaSenhas abre as portas novamente com atrações culturais na São Francisco. Só no primeiro semestre, o grupo tem programadas duas atividades cênicas. No fim de fevereiro, Gilda Convida Maria Bueno promoverá encontros entre diferentes grupos em cabarés sobre as duas personagens da história curitibana. Em junho, será a vez de Os Pálidos, peça inspirada no cineasta Luis Buñuel em que a companhia pretende incorporar a voz da nova vizinhança: o barulho dos bares em frente que hoje lotam as calçadas e a rua.

Praça de Bolso do Ciclista, gênese do movimento que deu vida nova à região

No início da madrugada do último domingo (11), o designer Henrique Martins, de 34 anos, tomava uma cerveja com uma amiga na Rua São Francisco, entre a Presidente Faria e a Rua Riachuelo.

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De repente, um estouro. Nuvens de fumaça e uma correria danada. Henrique e sua amiga também fugiram. "Não havia o que fazer", diz, já que a Polícia Militar (PM) usou bombas e balas de borracha para dispersar aquelas centenas de pessoas. "Não houve aviso e nenhum diálogo", afirma Martins. O depoimento é sintomático.

No momento, ninguém sabia que a Setran e a PM realizavam uma operação na região (leia mais sobre o caso nesta página), cujo desfecho fez a ruela se transformar numa confusão instantaneamente, lembrando o ocorrido no pré-carnaval de 2012, no Largo da Ordem. O quiproquó suscita novas questões sobre a ocupação espontânea de ruas do Centro de Curitiba, cidade que sai da toca no verão e parece, ainda, não saber lidar muito bem com isso.

A São Francisco começou a virar moda em abril de 2014, quando um grupo de voluntários iniciou a construção da Praça de Bolso do Ciclista, na esquina com a Presidente Faria. Não demorou e bares e restaurantes se instalaram ali um após o outro.

O boca a boca funcionou, e a estreita viela de paralelepípedo, então, tornou-se uma "nova Trajano" e fez a alegria dos que querem viver a cidade numa noite quente; fomentou certo desespero em alguns moradores, que reclamam do barulho todo – inevitável --; e tornou-se novo foco de atenção da polícia, que volta e meia dá "batidas" em busca de usuários de drogas. É pano para manga, mas não é de hoje.

Já faz algum tempo que Curitiba vê pipocar eventos espontâneos e a céu aberto – pense no ano-novo fora de época, na Quadra Cultural (que depois de anos no São Francisco e alguns rounds judiciais irá se mudar para a Pedreira Paulo Leminski) e na vida noturna da Rua Trajano Reis. É uma nova forma de entender a cidade e de se relacionar com ela. Os incidentes recentes, entretanto, indicam que tudo ainda está verde, mesmo nas questões básicas. "Esse processo está em andamento e é irreversível. Por isso é preciso reflexão e atitudes mais coerentes. Se há crimes por ali, a PM precisa ser assertiva e não repressora," diz Jorge Brand, o Goura, coordenador da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (CicloIguaçu), responsável pela construção da pracinha. Parece ser também um momento de provação: a CicloIguaçu criou uma petição on-line para o fechamento daquela quadra da rua para automóveis. Até agora, 1,8 mil pessoas assinaram o documento.

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Para além do cabo de guerra, o fato é que a São Francisco está, ao que tudo indica, mais segura. "As pessoas transformaram o espírito da rua. Conheço moradores que tinham medo de ir para casa ou passar por ali durante a noite e hoje fazem isso com prazer", diz Goura.

A princípio, pessoas nas ruas não deveriam ser um problema. Mas há quem tenha se debruçado sobre o tema e levantado questões interessantes. Como a escritora Jane Jacobs (1916-2006), autora de Morte e Vida de Grandes Cidades (Martins Fontes), livro de cabeceira de arquitetos humanistas e urbanistas de plantão. "O problema da insegurança não pode ser solucionado por meio da dispersão das pessoas", sentenciou a norte-americana. Em 1961.

Entrevista

"Temos medo da multidão", diz arquiteto

Nos últimos anos, o arquiteto Fábio Domingos Batista acompanhou os eventos que reuniram pessoas nas ruas de Curitiba. O resultado foi o livro A Cidade como Cenário (Grifo, R$ 30), que faz um panorama da ocupação recente de locais públicos. "Estamos nos apropriando da cidade", diz quem entende do riscado.

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Como entende o que ocorreu na Rua São Francisco?

Eu moro perto e ouvi o barulho. Primeiro é preciso dizer que a rua, em si, não é atrativa, e mudou depois que as pessoas a assumiram. Isso está acontecendo com frequência. O melhor exemplo é o [bar do] Torto. Mas há falta de compreensão porque temos medo da multidão. Esses eventos quebram a ordem e a rotina da cidade. Muitos não os entendem bem, e aí surgem as inabilidades todas, da polícia inclusive.

O livro faz um panorama sobre a ocupação de espaços públicos. Estamos indo bem?

O mais difícil e complexo em uma cidade é as pessoas se apropriarem de coisas públicas. A violência existe quando um grupo se apropria de um espaço com intenções não naturais. A São Francisco era muito mais perigosa do que é hoje. Estamos de fato nos apropriando da cidade. Nos anos 1990, o Centro era mais degradado. Hoje, vemos um comércio pulsante. O shopping deixou de ser a única possibilidade. Talvez esse movimento de vivência da cidade seja uma tendência a se dispersar nos bairros, inclusive.

O que faz uma rua ser segura?

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A única maneira de conter a violência é ter pessoas na rua. Pense numa rua cheia de muros. Ela é escura porque nada acontece. Não há pessoas passando. Se a rua tem comércio e gente, é viva, mais segura.

Como lidar com o consumo e o tráfico de drogas na região?

Na rua, é bem possível que você encontre um ou outro usuário. Mas, se o caso se tornar um problema de ordem pública, existem maneiras para fazer a abordagem. Se há uma pessoa criminosa na multidão, é preciso preparo para lidar com isso. Porque todos são inocentes até que se prove o contrário. É, de novo, a inabilidade, também no âmbito político.