Viva Elis é homenagem prestada pelos filhos
Em 19 de janeiro de 1992, quando se completavam dez anos de morte de Elis, reportagens sobre a efeméride lançavam a pergunta: como o Brasil pôde se esquecer tão rapidamente daquela que tantas vezes foi considerada sua maior cantora?
Na transversal do tempo
A inquietude sempre foi um traço fundamental de Elis Regina, identificável tanto em sua personalidade quanto em sua carreira. Prova disso foi a maneira com que lidou com o êxito da canção "Romaria", um de seus maiores sucessos.
O dia 13 de setembro de 1981 caiu num domingo. Nessa noite, no Guairão, aconteceria a última apresentação do show Trem Azul, com Elis Regina. Elis passara a tarde com os filhos e alguns amigos numa chácara, onde fora servido churrasco. Ao chegar ao teatro, enquanto se dirigia ao camarim, comentou com o empresário Neivo Beraldin que ainda estava cheirando a carne assada.
VÍDEO: Assista ao depoimento do jornalista Zeca Correia Leite
Instantes após, em frente ao espelho, começava a maquiar-se para o espetáculo. Falante, conversava comigo e com a Olga Vollrath Oliva, minha comadre. Tinha uma energia, uma felicidade que parecia extravasar pelos poros, então comentei sobre isso com ela. Foi o que bastou para que discorresse sobre a vida, a leveza que estava sentindo e daí para outros assuntos diametralmente opostos, foi um pulo.
Defendeu negros e índios, colocou-se na pele dos explorados e excluídos e garantiu que também passaria os dias "enchendo a cara" se tivesse que passar a vida trabalhando feito condenada para encher "as burras de dinheiro" dos exploradores. Criticou a gana das gravadoras que produziam LPs a custo baixíssimo e cobravam preços exorbitantes do consumidor. O brasileiro vivendo com um salário vil, como poderia dar-se ao luxo de comprar discos?
Enquanto discorria entre uma coisa e outra ocupava-se com os pincéis à sua frente, fazendo contorno dos olhos, passando bases, acentuando a maçã do rosto. Tendo consciência (de sobra) quanto a sua importância na música brasileira, ironizou o papel de estrela de primeira grandeza: "Como vocês estão vendo tenho mucamas à minha volta e escravos me abanando com plumas".
Bateram à porta, um rapaz avisou: "Elis, são 9 horas". Surpreendida, apressou-se: "Meus amores, tenho que botar meu saiote", disse, jogando no ombro uma saia de couro, marrom claro (bege?), de frangas largas.
(Em uma dessas noites, quando se preparava para o show, a cantora errou na mão e, para tirar o excesso da maquiagem, rasgou uma das franjas passando-a no rosto. Marlene, camareira do Teatro Guaíra, testemunhou esse momento e guardou a franja com devotado cuidado, até falecer anos depois.)
Ainda no camarim Olga Oliva perguntou à Elis se ela gostaria de participar do projeto Parcerias Impossíveis, levado no Teatro do Paiol. Elis aceitou de imediato, não se importou com o cachê de baixo valor, mas como estava envolvida com o Trem Azul, só teria espaço na agenda do ano seguinte.
Propôs, então, que quando voltasse a Curitiba poderíamos, nós três, passar o resto da noite conversando em algum boteco de periferia. Onde servissem cerveja em copo americano.
Quatro meses e seis dias se passariam. Então o dia 19 de janeiro de 1982 traiu todos os planos.
Uma voz antes do estrelato
A imagem em branco e preto de uma jovem com um penteado típico da época, e muito laquê no cabelo corria o mês de abril de 1965 , mostra o surgimento de uma cantora para o Brasil, e quiçá para o mundo: Elis Regina.
O registro feito pelas câmeras da TV Excelsior, promotora do 1.º Festival de Música Brasileira, mostra a vigorosa interpretação de "Arrastão" (Edu Lobo/ Vinícius de Moraes), com coreografia de Lennie Dale. A música venceu o festival e sua intérprete levou o prêmio de cantora revelação.
Começa aí uma carreira de sucesso que associaria o nome de Elis ao que de melhor já surgiu neste país.
No entanto, a artista vinha de dois LPs gravados respectivamente em 1961 e 1962: Viva a Brotolândia e Poemas de Amor. Mas o primeiro sucesso foi "Dá Sorte", de Eleu Salvador, um 78 rpm que tinha do outro lado "Sonhando", versão de Juvenal Fernandes para a música de Barry De Varzon e Ted Ellis, lançado pelo selo Continental.
A garota de 16 anos de idade estava sendo preparada para ocupar o lugar de Celly Campelo, unanimidade entre a juventude, mas que deixara a carreira para se tornar dona de casa. Sabendo da intenção da gravadora, a adolescente jogou tudo para o alto. "Sou Elis Regina Carvalho Costa". E voltou para Porto Alegre.
Conta a historia que uma noite, em pleno Rio de Janeiro, ela apontou para a cidade a essas horas adormecida, fez um movimento com a mão como se abarcasse todo o cenário e vaticinou a um amigo que um dia todos ali a conheceriam.
Não só os cariocas se renderiam a ela, mas todo o Brasil. E entusiásticas plateias ao redor do mundo, como a do 13.º Montreux Jazz Festival, na Suíça, onde foi aplaudida durante 11 minutos.
Um vídeo mostra Elis interpretando "Na Baixa do Sapateiro", de Ary Barroso, quando a certa altura desanda a chorar copiosamente; enxuga as lágrimas com uma faixa do vestido, até que alguém do público a socorre com um lenço. Posteriormente ela viria a explicar que um pensamento surgido do nada, questionou-a: que fazia ali, naquele local, a filha de um operário e uma lavadeira?
Pois uma coisa é certa: a menina tímida a quem chamavam de Elisinha, que se fechava no banheiro para cantar, mas ainda assim atraía a atenção das pessoas por ser "afinadinha", transformou-se numa das artistas de maior respeito e reverência que se tem no Brasil, país notório em não dar muito valor às suas riquezas, preferindo curvar-se e consumir ao que vem de fora e àquilo que a mídia inventa a cada estação.
Basta um breve passeio pela internet para ter uma profusão de informações, imagens, vídeos, gravações acerca de Elis Regina. Nas lojas os CDs multiplicam-se, embora trazendo as mesmas canções... Os DVDs (cerca de meia-dúzia lançados nos últimos anos) ocupam destaque nas prateleiras. Nas programações de rádio é comum ouvir-se aqui e ali a voz inconfundível, emoção em carne viva.
Trinta anos depois de sua morte, Elis Regina continua presente. Apesar da saudade, da ausência, da vontade de ouvi-la cantar um novo número, apesar de tudo ela é uma artista que serve de referência ao nosso tempo, para todos os tempos.
Zeca Correia Leite é jornalista, fã de Elis Regina, e conversou com a cantora nos batidores após o espetáculoTrem Azul, apresentado no Guairão, em 13 de setembro de 1981.
CADERNO G | 5:04
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