Será que uma voz do além-túmulo tem direito a receber um Grammy? A pergunta está circulando no meio musical esta semana depois que as cédulas de indicações para o próximo Grammy Awards - a versão musical dos Oscar - foram enviadas pelo correio aos cerca de 11 mil membros da Academia de Gravação que têm direito a voto.
Um exemplo em pauta é o novo álbum "Ray sings, Basie swings", que combina vocais arquivados e recentemente encontrados pelo falecido titã do soul Ray Charles e faixas gravadas recentemente pela big band que ainda carrega o nome de Count Basie.
Lançado pela Concord Records e a Starbuck Corporation, o CD estreou na liderança das paradas de jazz da Billboard, mas, como os vocais de Ray datam dos anos 1970 e a instrumentação é nova, o CD caiu numa espécie de buraco negro do Grammy, em função de uma norma que já está sendo vista por alguns como superada.
- Uma gravação que é basicamente antiga, mas acrescida de muita produção nova, cai num limbo porque não pode se candidatar a consideração histórica, nem às categorias de performance mais novas - explicou Diane Theriot, vice-presidente sênior de prêmios da Academia de Gravação.
- Não é possível dizer que seja velha nem nova. Esse é um tema ao qual vamos retornar e que vamos continuar a pesquisar, na medida em que novas técnicas de produção continuarem a combinar o velho e o novo - disse ela.
A partir de junho, todo ano, gravadoras e artistas inscrevem estimadas 15 mil obras para consideração para o Grammy. Os trabalhos são classificados em categorias e incluídos nas cédulas de voto. Nas cédulas iniciais, pode haver até 600 álbuns numa categoria como álbum do ano. Os eleitores reduzem os candidatos a cinco finalistas em cada categoria. Os indicados são anunciados em dezembro, dois meses antes da entrega dos Grammy Awards, que acontece em fevereiro.Picasso perdido
A Concord e a Starbucks podem inscrever o CD nas categorias de produção, engenharia de som, arranjos e até álbum do ano, porque não são categorias ligadas especificamente aos vocais.
Mas, de acordo com o produtor do álbum, Gregg Field, as faixas vocais, vistas como algumas das melhores de Ray Charles e que seriam fortes candidatas ao Grammy, foram consideradas impróprias para concorrer em categorias como a de melhor vocal de jazz ou melhor vocal de R&B.
Ao mesmo tempo em que é indiscutível que as novas tecnologias já mudaram drasticamente a maneira como os consumidores ouvem, compram e armazenam música, vários críticos vêm dizendo que a organização do Grammy precisa rever a maneira como homenageia a música, para refletir os avanços na área da produção.
- Sem a tecnologia, as pessoas nunca teriam ouvido este álbum. Trata-se de um vocal original nunca antes lançado. É como encontrar um trabalho perdido de Picasso - disse Phil Ramone, presidente emérito da Academia de Gravação - Mas, quando as regras originais do Grammy foram criadas, ninguém jamais imaginou que algo assim seria possível - completou.
Ray Charles morreu em 2004 e já recebeu outras homenagens póstumas. Em fevereiro de 2005 ele recebeu cinco prêmios, inclusive o de álbum do ano, por "Genius loves company", também lançado pela Concord e Starbucks.
Foi a primeira vez que o cantor recebeu o Grammy de álbum do ano e a primeira vez que o prêmio tinha sido dado a um artista falecido desde que John Lennon (e sua viúva Yoko Ono) o ganharam por "Double fantasy", em 1982.
As coleções musicais póstumas não constituem novidade total. A cantora Natalie Cole, por exemplo, fez dueto com seu pai falecido Nat King Cole em uma faixa do álbum "Unforgettable", vendendo 5 milhões de cópias e recebendo vários Grammy.
Theriot disse que, como os vocais de Nat King Cole estavam em apenas uma canção do álbum, eles não foram levados em conta na premiação.
Os ex-Beatles Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr colaboraram na década de 1990 para enriquecer alguns demos de John Lennon dos anos 1970, para criar "Free as a bird".
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