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A vida dos ameríndios e a colonização nas Américas, África e Ásia são temas caros a Le Clézio |
A vida dos ameríndios e a colonização nas Américas, África e Ásia são temas caros a Le Clézio| Foto:

Rio de Janeiro - "Escritor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensual, explorador de uma humanidade além e aquém da civilização reinante." A Academia Sueca justificou, anteontem, desta forma a escolha do francês Jean-Marie Gustave Le Clézio como vencedor do Nobel de Literatura de 2008: A notícia de que ganhara o prêmio de dez milhões de coroas (cerca de um US$ 1,4 milhão) foi recebida em telefonema por sua mulher marroquina, com quem é casado desde 1975. Numa entrevista a uma rádio sueca, Le Clézio, de 68 anos, autor de umas cinco dezenas de títulos (de ficção e ensaio) disse estar emocionado e agradecido.

Um dos mais respeitados autores contemporâneos da França, muitas vezes lembrado para o Nobel, ele receberá o prêmio no dia 10 de dezembro em Estocolmo. Trata-se do 14º Nobel de Literatura para a França – país que detém o recorde de escritores premiados com o Nobel. Com 45 anos de carreira literária – ele estreou em 1963 com o premiado Le Procès-verbal (A Interrogação), já chamando atenção para seu nome – a obra de Le Clézio se caracteriza pelo caráter nômade que reflete a história de sua vida. Nascido em 1940 em Nice, no sul da França, aos 8 se mudou com os pais para a Nigéria. É de uma família bretã, que emigrara no século 18 para as Ilhas Maurício, antiga colônia francesa conquistada pelos britânicos em 1810. Seu pai era um médico inglês, e sua mãe francesa. "Le Clézio passou por muitas fases distintas em seu desenvolvimento no seu trabalho e incluiu outras civilizações além da ocidental em seus escritos", elogiou o secretário permanente da Academia Sueca, Horace Engdahl.

O autor estudou em universidades britânicas e francesas. Em 1967, fez seu serviço militar na Tailândia e acabou sendo obrigado a sair de lá por denunciar a prostituição infantil. Terminou o serviço militar no México e, durante quatro anos, de 1970 a 1974, como empregado do Instituto da América Latina, viveu entre os índios no Panamá, experiência que teria grande influência sobre sua obra.

Le Clézio já ensinou em universidades norte-americanas, como em Albuquerque (EUA) e na Cidade do México – em 1983, concluiu um doutorado sobre a História Antiga do México. A vida dos ameríndios e a colonização são temas caros ao autor.

Segundo a Academia Sueca, muito cedo Le Clézio se firmou como um escritor de engajamento ecológico, posição que se reflete em obras como Terra Amata (1967), Le Livre des Fuites (O Livro das Fugas, 1969), a La Guerre (A Guerra, 1973) e Les Géants (Os Gigantes, 1973).

Consagração

A sua consagração como escritor se deu em 1980, com o lançamento do romance Deserto, que, segundo a Academia Sueca, contém "imagens grandiosas" sobre uma cultura perdida no norte da África, às quais contrastam com uma descrição da Europa vista através do olhar de imigrantes indesejados. A protagonista, Lalla, argelina, "é um antípoda utópico da feiúra e da brutalidade da sociedade européia". Foi nos anos de 1980 que a obra de Le Clézio começa a chegar ao Brasil, onde a Brasiliense publicou À Procura do Ouro e Deserto. O escritor teve outros dois romances publicados no Brasil pela Companhia das Letras – Peixe Dourado e A Quarentena– e, no ano passado, a Cosac Naify lançou do autor o romance O Africano, de 2004.

"É um autor conectado em outras culturas, sendo europeu, e isso nos interessa muito", disse Augusto Massi, presidente da editora Cosac Naify. "Queríamos editá-lo exatamente porque escreveu uma obra ficcional muito grande e também muita coisa sobre viagens. Em O Africano vemos as memórias dele, muito mais velho, tentando acertar as contas com o passado. Como um europeu, olhando a África. Como um menino, olhando o pai."

Massi disse ainda que a Cosac tem a opção de compra (que provavelmente vai exercer) do livro que Le Clézio publicou em 2007, Ballaciner. Segundo a Academia Sueca, trata-se de "um ensaio profundamente pessoal sobre a história da arte cinematográfica e sobre a importância do filme na vida do autor". Segundo Massi, Le Clézio foi convidado para participar da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) do ano passado, mas recusou. O convite, porém, será renovado para 2009.

Por ser o ano da França no Brasil, a embaixada francesa também está empenhada em trazer o autor ao Brasil. As autoridades francesas saudaram a escolha de Le Clézio. Desde 1985, com Claude Simon, um autor nascido na França não era escolhido pela Academia Sueca. O presidente Nicolas Sarkozy o definiu como um filho de todos os continentes, que encarna um mundo globalizado. Sua literatura é tão internacional que mesmo a imprensa francesa levanta a questão se sua obra é francesa ou francófona – palavra mais usada para designar as literaturas francesas feitas por não-franceses. "Não acredito que possamos fazer uma distinção", disse anteontem o escritor em entrevista concedida pouco antes de saber do prêmio. "Nasci na França, meu pai era britânico e eu venho de uma mistura, como muitas pessoas na Europa."

Le Clézio, ao conversar com a rádio sueca, disse que as Ilhas Maurício, por serem o lugar de seus ancestrais, são "realmente o lugar que considera sua casa". O francês, que também é autor de livros para crianças e jovens, disse que escrever, para ele, é como viajar. "Posso escrever em qualquer lugar. Ponho um pedaço de papel na mesa e depois eu viajo. Literalmente, escrever para mim é como viajar. É sair de mim mesmo e viver outra vida; talvez uma vida melhor", disse Le Clézio, que recém-publicou Ritournelle de la Faim, livro que chegou às livrarias de Paris na semana passada.

Academia sueca causa mal-estar ao falar da literatura dos EUA

Responsável pelo anúncio do Nobel de Literatura deste ano, o secretário da Academia Sueca Horace Engdahl disparou uma controvérsia literária no início do mês ao dizer à agência de notícias internacional Associated Press que a literatura norte-americana era paroquial. A declaração foi criticada por todos os lados nos Estados Unidos, mas pareceu ser implicitamente reiterada anteontem nos elogios do suecos ao cosmopolitismo do francês Jean-Marie Gustave Le Clézio.

"Há literatura poderosa em todas grandes culturas, mas não há como contornar o fato de que a Europa ainda é o centro do mundo literário... não os Estados Unidos", disse Engdahl no dia 1º. "Os EUA são muito isolados, muito insulares. Eles não traduzem o bastante e não participam de fato do grande diálogo da literatura. Essa ignorância é limitadora."

As críticas de Engdal irritaram a imprensa americana, onde já existe uma tendência a receber cada novo anúncio do Nobel como outro ano de não-premiação para Philip Roth, o maior escritor do país. O último Nobel de Literatura para os Estados Unidos foi o de Toni Morrison, em 1993. O editor da The New Yorker, David Remnick, foi autor da resposta mais contundente. "Seria de se imaginar que o secretário de uma academia que se pretende sábia, mas historicamente ignorou Proust, Joyce e Nabokov, para nomear apenas alguns não-nobelizados, nos pouparia dos sermões categóricos."

No The Washington Post, Michael Dirda, um dos críticos mais importantes dos EUA, disse que Engdal demonstrara ele mesmo uma visão paroquial sobre um país muito diverso, mas reconheceu que os americanos lêem relativamente poucos livros traduzidos. Houve quem dissesse que Engdal estava tentando atrair publicidade, mas a postura mais recorrente foi de questionamento da relevância do Nobel de Literatura, dado o evidente viés político das escolhas da Academia Sueca. Após as reações, Engdahl amenizou sua posição dizendo que o Nobel "não é uma competição entre nações, mas um prêmio para indivíduos".

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