Há algo de irremediavelmente melancólico em Amante a Domicílio, comédia dirigida pelo também ator norte-americano John Turturro (premiado no Festival de Cannes com seu primeiro longa, Mac, em 1992), que estreia nesta quinta-feira nos cinemas, mas já pode ser vista em sessões de pré-estreia. Mais do que sobre sexo prêt-à-porter, como promete o trailer, bastante enganoso ao se vender como uma trama irreverente, o filme discute um tema incômodo: a solidão.
Woody Allen vive o papel de Murray, um livreiro falido que, para complementar o orçamento e sustentar sua família multicultural, tem uma ideia bizarra, mas que pode dar certo. Convence um amigo de longa data, Fioravante (Turturro) a se tornar um amante de aluguel. Aposta que ele, apesar de não ser nenhum galã e já ter uma certa idade, possui atributos que podem despertar não apenas o desejo, mas a confiança das mulheres.
Relutante, Fioravante, um sujeito introspectivo e de espírito delicado, com reconhecidos talentos manuais, tanto como florista quanto como encanador, embarca no delírio de Murray, que começa a agenciá-lo. O sucesso não tarda, provando que a intuição do livreiro aposentado tinha mesmo sua razão de ser.
Faz sentido que Turturro tenha convidado Allen para o papel de cafetão improvisado. Murray guarda muitas semelhanças com os personagens neuróticos e idiossincráticos que o cineasta costuma escrever para si mesmo. Ao ponto de quase parecer uma espécie de homenagem do ator/diretor ao mestre que tanto admira.
Só que, na verdade, Murray, embora não deixe de ser uma peça importante da trama, não vai muito além da função de alívio cômico.
A alma de Amante a Domicílio é mesmo Fioravante, que dá a Turturro uma ótima oportunidade de reafirmar sua competência como ator, já premiada no Festival de Cannes pela sua antológica atuação em Barton Fink Delírios de Hollywood (1991), dos irmãos Ethan e Joel Coen.
Embora, como ele próprio diz, não seja um homem bonito, ele conquista suas clientes porque, além de saber manter em torno de si uma certa aura de mistério e inacessibilidade, Fioravante percebe que as mulheres que o procuram querem mais do que sexo. Buscam atenção, cuidado. A solidão que elas sentem não lhe é estranha. Pelo contrário.
O ponto alto de Amante a Domicílio, que não chega a ser um grande filme, mas diverte e faz pensar, é o envolvimento do personagem com Avigal (a francesa Vanessa Paradis), uma judia ortodoxa, viúva de um rabino, a quem Fioravante é apresentado por Murray, com segundas intenções.
Mãe de seis filhos, mas ainda jovem, a mulher, por questões religiosas, é impedida de manter qualquer contato físico com homens, nem sequer um aperto de mão lhe é permitido. Essa proibição incendeia o coração de Fioravante, e salva o filme da piada pronta. GGG
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