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O caso de Antônio nem Freud explica. Ele anseia o apocalipse ao mesmo tempo em que clama por vida e liberdade. Detesta o mundo, mas já o amou como os grandes homens foram capazes. Diz que não tem nome e que ninguém vai para o céu. E matou o pai, a forma humana mais terrível na qual ele próprio se transformou. O esquizofrênico – personagem múltiplo da peça “A ocultista do sofá”, apresentada no Teatro Novelas Curitibanas – desenvolve uma personalidade ambígua, confusa e desequilibrada, que revela mais da sociedade do que de si mesmo.

À meia luz – num cenário sombrio que se inspira na tristeza de Antônio – o público é conduzido aos subterrâneos pouco explorados da vida de um esquizoide. Ao centro do palco, que simula um espaço para consultas espirituais, circundado por sofás, uma mesa pequena sustenta aquilo a que o mundo se resume para o personagem: vinho, arma, drogas psicotrópicas e cartas de tarô. Em busca de um sopro de vida e de novos significados para as situações cotidianas, ele mergulha no misticismo e lá encontra respostas para a dor e o sofrimento, até então segredados no inconsciente.

A narrativa da peça questiona as condições que pouco a pouco deram os contornos da doença de Antônio, interpretado pelos seis personagens do elenco. Desde muito cedo, ainda quando criança, ele presenciou de perto o machismo instalado na sociedade, na figura monstruosa do pai – que, além de trair e matar a mãe, sempre o detestou. “Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar... Meu pai nunca me deixou dançar essa música”, diz um dos alter-egos de Antônio.

Aquele homem cruel não apenas condenava a criança por chamá-lo de papai (coisa de viado!) como também ameaçou enviá-la para uma casa de loucos nas vezes em que precisou falar sozinha para resolver conflitos com suas várias identidades. A avó de Antônio é outra grande decepção. Uma mistura grotesca de católica com evangélica que frequenta o culto aos sábados e a missa aos domingos, finge ser nobre mas fala mal de todo mundo. “Meu avô morrendo no hospital e essa lazarenta dando baile em casa”, indigna-se.

Palavrões, quase nudez e carícias entre homens são algumas das estratégias utilizadas no enredo para criticar a hipocrisia e o preconceito na sociedade. O público, que reagiu a isso de diferentes maneiras, teve a oportunidade de estabelecer contato com temáticas relevantes, como a homofobia, a violência contra as mulheres e o preconceito contra os transtornos mentais. Para o engenheiro agrônomo Marcos Maciel, não apenas a cenografia e o jogo de luzes destacam-se, mas também a construção da narrativa.

“O texto traz várias referências importantes, que possibilitam reflexões críticas”, analisa. Segundo ele, todos os atores tiveram excelente desempenho, “especialmente as meninas”, que aparecem mais na encenação. Marcos acredita que o desafio maior para o elenco é interpretar, todos eles, os mesmos personagens. Para dar o tom de “confusão” que caracteriza a mente de Antônio, os atores revezam-se nas interpretações, o que exige atenção por parte do público.

De acordo com o dramaturgo João Baah, diretor de “A ocultista do sofá”, boa parte do texto da peça – especialmente os trechos inspirados em grandes filósofos, como Voltaire – flerta com a temática do amor. “Toda a encenação é construída para representar as decepções amorosas de Antônio”, diz.

Em uma vida em que nada dá certo, ele revela a espera ansiosa pelo “fim” ao reconhecer que abandonou a si mesmo, para ter a solidão que ele próprio escolheu. Ao mesmo tempo, a angústia faz renascer esperança e estimula a busca por liberdade: “Queria viajar o mundo, ser forasteiro de mim mesmo”.

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