Esqueça a histeria pós-moderna do belo mas propositadamente exagerado Moulin Rouge O Amor em Vermelho. Ou as coreografias sensuais e os números musicais salpicados de lantejoulas e paetês de Chicago. O musical mais falado de 2007 nada tem de grandiloqüente. Muito pelo contrário: aposta no naturalismo. E foi realizado com apenas US$ 150 mil.
Once (Uma Vez, em tradução livre), longa-metragem escrito e dirigido pelo irlandês John Carney, mais conhecido por seus trabalhos na tevê, começou a chamar a atenção da imprensa internacional no ínicio deste ano, quando se tornou um dos títulos favoritos tanto do público quanto da crítica no Festival de Sundance, maior evento do cinema independente no planeta.
Não se parecia com nada que havia sido selecionado para a mostra tampouco fazia lembrar remotamente qualquer produção que chegara nos cinemas nos últimos anos. Tanto que, em sua resenha, o jornalista Owen Gleiberman, da revista semanal norte-americana Entertainment Weekly, escreveu: "Não tenho certeza de já ter visto a majestade e a mágica, perculiares aos bons musicais, brotar de um drama tão pequeno, despretensioso, que parece acontecer, em grande parte, ao redor de uma mesa de cozinha".
Amor fugidio
A trama de Once tem início nas calçadas de Dublin, capital da República da Irlanda, onde um músico (Glen Hansard, do grupo musical Frames) toca seu violão esburacado e canta em troca da generosidade dos passantes. A maior parte dos pedestres, no entanto, passa reto e não lhe dá muita atenção, absortos em seus próprios pensamento. Quase todos menos uma jovem imigrante checa (a novata Markéta Irglová), que se encanta com o entusiasmo febril do rapaz. Tímida, mas com um sorriso desconcertante, ela se aproxima.
A partir desse encontro, Once desabrocha, sem pressa, contando a história dos dois personagens, cujos nomes jamais são revelados. Ao longo de alguns poucos dias, suas órbitas colidem em um "quase romance".
Mas, afinal de contas, por que Once vem sendo descrito como um musical?
Logo no início da história, os dois protagonistas vão a uma loja de instrumentos musicais, onde ela confessa a ele também ter o desejo de fazer música. Acontece que a dura vida de imigrante a impede e comprar um piano. Percebendo que a moça sabe tocar, ele a ensina uma de suas canções, que um dia espera gravar. A letra diz: "Eu não a conheço/ Mas a desejo/ E a cada momento mais". Apesar de pré-existente, a música acaba se tornando uma espécie de prelúdio ou declaração involuntária de um amor que ainda não aconteceu, tão fulminante quanto frágil, transitório e efêmero como muitas das melhores coisas da vida. A partir daí, as canções dão o tom à relação.
Fazendo lembrar um pouco Antes do Amanhecer e Antes do Anoitecer, filmes cult do norte-americano Richard Linklater, Once tem sido descrito pela crítica como "uma golfada de ar fresco", por sua deliberada escolha de não optar pela fantasia ou pelo excesso, características de muitos musicais contemporâneos, como Dreamgirls. A love story irlandesa estaria para esses filmes, diz A. O. Scott, crítico do jornal The New York Times, assim como uma fita demo está para um álbum superproduzido com o objetivo de faturar milhões.
Muitas das resenhas também ressaltam a proximidade entre Once e os musicais do diretor francês Jacques Démy, Os Guarda-Chuvas do Amor e As Garotas Românticas, estrelados por Catherine Deneuve. Gleiberman, da Entertainment Weekly, chega a dizer que o filme flui com a incerteza sedutora e o espírito rebelde e independente da nouvelle vague. Um baita elogio.
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