A escritora Hilda Hilst ouviu muitos elogios à qualidade literária de seus livros enquanto os via encalhar nas livrarias. Esta questão, crucial para um escritor, foi se tornando cada vez mais dilacerante para Hilda ao longo dos anos, como se vê nas entrevistas reunidas por Cristiano Diniz em Fico Besta Quando Me Entendem. Paralelamente a essa desilusão com a conversa que tentou ter com o mundo através da literatura, Hilda enfrentava dificuldades para manter-se fiel ao seu estilo de vida conforme ia envelhecendo. Ela foi uma mulher livre, ousada, bajulada por sua beleza e inteligência. Não é fácil ser tudo isso, não é fácil viver no permanente estado de paixão e liberdade que ela almejava.
A leitura das entrevistas reunidas neste volume é interessante mesmo para quem não está familiarizado com os livros de Hilda, todos disponíveis em edições da Globo. Podem ser uma porta de entrada para a literatura é difícil não ficar curioso para saber como ela expressou na ficção e na poesia sua natureza sensível e apaixonada. Como Diniz registra no texto de abertura, as entrevistas não ajudam a elucidar a obra, até porque a autora de Tu Não Te Moves de Ti e Kadosh foge das tentativas de comentar o que escreveu. Como era uma mulher impressionante, com uma vida incomum, há uma atração natural dos entrevistadores pelos aspectos mais pessoais. E, se de inicio, Hilda parecia à vontade para falar de si mesma, nas entrevistas mais recentes nota-se que ela se retirava para dentro de si mesma e de suas aventuras intelectuais e místicas (assim como se retirou para uma fazenda em Campinas).
Aos 47 anos, Hilda deu uma entrevista às pesquisadoras Clelia Pisa e Maryvonne Petrorelli em que se abre um pouco mais. O resultado é muito rico quando fala sobre o que pensa do amor e de sua relação com os homens ("Enquanto a vida cotidiana, a vida doméstica, é uma coisa insuportável. Acho que só essa tensão, essa paixão, justifica o tempo que passamos a viver, e eu daria com prazer anos da minha vida só para conhecer esse estado"), do deslumbramento pelo fato de estar viva ("Eu vivo em um estado de comoção contínua, renovada diante da vida") e da dificuldade de se comunicar ("Meus poemas são citados, mas ninguém os compra. Isso me deixava um pouco triste antigamente porque ninguém me falava: Eu li o que você escreveu. Eu também vivi um momento parecido com o seu. Eu também sinto o que você sente").