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No meio do trânsito caótico da capital Luanda, há poucos dias da Copa do Mundo de 2006, o repórter fotográfico Leandro Taques, 32 anos, paranaense de Pato Branco e radicado em Curitiba, ouviu de dentro de uma candonga (as vans sempre apinhadas de gente que fazem as vezes de lotação) um trabalhador dizer que se em apenas quatro anos de paz Angola conseguiu se classificar pela primeira vez para o Mundial, o povo poderia conseguir muito mais em dez, 20 anos sem conflitos. Naquele momento, o fotógrafo percebeu que mesmo em um país castigado por duas guerras, a população dessa parte da África tem esperança suficiente para reerguê-lo e que isso renderia uma boa história.

Quatro meses depois da primeira viagem, o fotógrafo retornou a Angola. Dessa vez com o velho companheiro Julio Cesar Lima, 42 anos, jornalista paulista também radicado em Curitiba com quem já havia embarcado para o Afeganistão oito meses após o 11 de setembro de 2001 e rodado 20 mil quilômetros da terra dos talibans ao Paquistão, China, Tibet e Nepal. Da viagem da dupla à África surgiu o livro O Retrato da Paz, patrocinado pela Petrobras, a ser lançado amanhã, às 20 horas, com exposição no bar Beto Batata do Alto da XV.

"O que mais chama a atenção é a vontade do povo angolano em aproveitar esse momento de paz. Eles sabem que tudo precisa ser refeito, mas estão com esperança. Não encontramos ninguém pessimista com o futuro do país", ressalta Taques, que chegou a adquirir malária ao rodar os 6,5 mil quilômetros com o companheiro por aquilo que ele diz um dia já terem sido estradas em 11 das 18 províncias de Angola.

Primeiro, foram 14 anos de conflitos com as forças armadas portuguesas até a independência, em 1975. Depois, mais 27 anos de lutas internas, até 2002, período em que Angola foi, sem exagero algum, o principal palco de embates da Guerra Fria. De um lado, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no governo até hoje e que tinha o apoio da extinta União Soviética e Cuba. Do outro, a União Nacional de Libertação Total de Angola (Unita), hoje legalizada como partido, mas à época grupo armado apoiado pelos Estados Unidos e pela África do Sul do regime de segregação racial, o apartheid.

Estima-se que 12 milhões de minas terrestres de 43 modelos diferentes foram instaladas em solo angolano durante a guerra civil, sendo que o custo da instalação foi de apenas US$ 2 e não requeria muita prática. Já o de retirada é de aproximadamente US$ 2 mil – uma exorbitância para um país pobre - e requer um verdadeiro batalhão de homens equipados. Ainda hoje, conforme Taques e Lima presenciaram in loco e registram no livro, são encontrados artefatos desconhecidos, não catalogados na indústria bélica. O que comprova que o país serviu de laboratório para o mercado de guerra.

O reflexo dessa luta política são cerca de 100 mil amputados por minas e uma infra-estrutura – que chegou a ser excelente no período colonial, já que Angola, com seu petróleo e diamantes, era a menina dos olhos da metrópole portuguesa – quase que totalmente destruída, como bem escancaram os registros feitos pelo fotógrafo de fachadas de prédios que de tão perfuradas pela artilharia de metralhadoras mais lembram peneiras.

No total, foram 3,8 mil fotos, das quais 112 estão no livro, e cerca de 50 entrevistas com pessoas que vão de veteranos mutilados que mendigam pelas ruas de Luanda, passando por trabalhadores que foram forçados a participar da guerra e voluntários que se dedicam a ajudar a população carente. De empresários que investem na reconstrução do país, entre eles brasileiros, à nova sensação da literatura africana, o escritor Ondjaki, e o happer MC K (no português de Angola lê-se Kapa), que em suas músicas retrata de forma crua a realidade social do país.

"No livro não há relatos oficiais, nem do lado da MPLA e nem do lado da Unita. Nossa intenção foi mostrar a realidade do povo, de quem sobreviveu e tenta se recuperar do conflito", ressalta Lima. Gente como o desempregado Araújo Franco, seqüestrado na juventude para lutar forçosamente pela guerrilha. "Nem sabia de que lado estava lutando. A guerra só serviu para nos separar", relata ele no livro. Mas hoje, Franco tem certeza da frente em que está: "Acreditamos na paz, acreditamos que ela pode trazer um futuro melhor para todos nós", confia.

Serviço: Lançamento do livro O Retrato da Paz do fotógrafo Leandro Taques e do jornalista Julio Cesar Lima no dia 28 de fevereiro (quarta-feira), às 20 horas, no bar Beto Batata (Rua Professor Brandão, 678 – Alto da XV). A exposição de fotos de Angola vai do dia 1.° a 31 de março no mesmo local.

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