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A banda Bad Religion é um dos grandes nomes da cena punk rock mundial | Divulgação/Seven Shows
A banda Bad Religion é um dos grandes nomes da cena punk rock mundial| Foto: Divulgação/Seven Shows

"É como querer ver a cara do filho e ele custar pra nascer", diz Otto Leopoldo Winck sobre experiência de passar quatro anos trabalhando no romance Jaboc e ter de esperar outros dois para poder segurá-lo nas mãos. "E até que nasceu bonitinho", brinca.

Livro ganhou o Prêmio Nacional ALB, da Academia de Letras da Bahia, no ano passado. A honraria dá direito ao vencedor de ter sua obra editada e distribuída por uma editora de alcance nacional – no caso, a Garamond. Winck lança Jaboc em Curitiba na próxima quarta-feira, na livraria Arte & Letra.

Obra trata das aflições de um escritor (cujo nome não é revelado) que pena para produzir seu primeiro livro. Professor, ele fica de quatro por uma de suas alunas e procura contornar as frustrações em conversas de bar com o amigo Clóvis, outro ex-futuro escritor.

Os personagens do livro são cerebrais e, com freqüência, embarcam em discussões filosóficas, ideológicas e literárias. Ao mesmo tempo, parece haver uma atmosfera irônica em que os próprios personagens reconhecem a inutilidade desses embates – entre um e outro copo de cerveja.

"A literatura é essencial ou não é nada", afirma Winck, citando Georges Bataille (1897 – 1962). "Hoje vivemos numa sociedade com excesso de ofertas de entretenimento: do joguinho do celular ao futebol na televisão. Se alguém chega em casa exausto, vai procurar relaxar num chat ou assistindo a algum programa de televisão", acredita.

"Alguém que, ao contrário, abre um livro, está a procura de algo mais. É este ‘algo mais’ – beleza, reflexão, uma melhor compreensão do mundo e de si, sei lá – que a literatura deve buscar."

Paralelos

Em Jaboc, a própria escrita serve de matéria-prima para a história. O célebre jogo do livro dentro do livro. Embora os paralelos com o mundo "civil" não devam ser encorajados, eles parecem inevitáveis. Há o escritor de sucesso, o crítico implacável, o escritor confrontado com o desafio de produzir um livro. Todos vivendo em Curitiba.

"O primeiro lugar em que o escritor vai buscar referências é em suas vivências, sua memória, sua história. Nesse sentido, Jaboc tem muito de mim, de meus anseios, de minhas inquietações. Mas ele não é autobiográfico: todos os personagens ali são ficcionais. Por um lado, como dizia Borges, tudo é ficção. Por outro lado, nada é ficção: já que a arte busca na vida a sua matéria", explica.

O narrador criado por Winck é fã de Fernando Pessoa (1888 – 1935) e seu modo de falar tem até um quê de preciosismo, como na frase "Ela costumava deitar tarde, toda noite atenazada com uma azafamadíssima agenda". O autor define seu protagonista como "um Quixote literário".

"Assim como o cavaleiro andante se encharcou de novelas de cavalaria e vive num mundo onde elas perderam a sua importância, o meu personagem se intoxicou da mais alta literatura e vive numa época onde ela perdeu a sua antiga relevância."

Por trabalhar com várias referências, Winck estima que o livro contenha mais de mil citações diretas e indiretas. Só de epígrafes, são 85. Sua intenção, afirma, é parodiar a crise narcisista comum na literatura atual. Ele faz o que chama de "metaparódia". "Os escritores de hoje só sabem olhar para os seus umbigos. É a hora de a literatura olhar para fora de si, se não quiser continuar falando sozinha", dispara.

Em outro momento, o narrador de Jaboc – referência a uma região palestina que aparece como metáfora ao final da história – dedica mais de uma página aos autores que encontra na estante do protagonista. A lista tem 144 nomes, mas não é aleatória. Aliás, nada no livro é. Tudo – até o texto da contracapa – foi planejado pelo autor. A exemplo de outros autores contemporâneos, como os norte-americanos David Foster Wallace (Breves Entrevistas com Homens Hediondos) e Mark Z. Danielewski (House of Leaves, inédito em português), Winck tem interesse em explorar as formas do romance.

"De uma certa maneira, o meu romance é bem convencional. Tem início, meio e fim, personagens mais ou menos consistentes, diálogos com travessão, não há neologismos, e todas as frases começam com maiúsculas e terminam com ponto final. Agora, dentro dessas balizas, eu tento forçar a forma, mover as divisas, os marcos antigos, avançar dentro de uma tradição."

Winck afirma que qualquer romance, hoje, estabelece um diálogo com seus antecessores. "A originalidade absoluta é um mito, quando não uma falácia", diz.

Biografia

Carioca nascido em 1967 e radicado em Curitiba há mais de duas décadas, Winck deu início este ano ao doutorado na Universidade Federal do Paraná sobre a construção de identidades por meio das narrativas. "Eu estudo de modo especial o caso galego. É na Galiza, hoje situada na Espanha, que nasceu a língua portuguesa. E desde o fim da Idade Média os galegos lutam para preservar a sua identidade, para não serem absorvidos e dissolvidos na hispanidad."

Nos intervalos que consegue, investe numa "novela rural" em que os personagens estão distantes do mundo intelectual e acadêmico de Jaboc. Um antídoto para o seu livro de estréia.

Serviço: Lançamento de Jaboc, de Otto Leopoldo Winck (Garamond, 320 págs., R$ 36). Livraria Arte & Letra (Alameda Presidente Taunay, 40 – dentro do Lucca Cafés Especiais), (41) 3039-6895. Evento conta com show de jazz do trio Boldrini, Sartori & Valente. Quarta-feira, dia 11, às 19 horas. Entrada gratuita.

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