São Paulo - "Agora me deixa chorar", disse um menino ao seu pai, na plateia repleta de crianças da pré-estreia em que a reportagem assistiu a Up Altas Aventuras. Era um singelo pedido de autorização, combinado ao reconhecimento instintivo de que o filme, já em seus primeiros minutos, informa que lágrimas fazem parte do pacote, sem prejuízo da diversão.
Elas estão presentes porque, de forma incomum no cinema infantil, o envelhecimento, a morte e a saudade de quem se foi estruturam a história de um menino encantado com as proezas de um explorador. Quando se torna adulto, no entanto, o sonho de levar uma vida aventureira como a de seu ídolo dá lugar a compromissos e obrigações da sobrevivência.
Por mais convencional que seja a rotina de alguém, sempre há tempo para acertar dívidas com os desejos do passado, sugere o filme. Assim, o menino terá a oportunidade, já na velhice, de se aproximar bem mais do que imagina, por sinal dos planos mirabolantes que traçou quando jovem, sob a inspiração do tal explorador.
Há algo do intrépido Phileas Fogg (David Niven) de A Volta ao Mundo em 80 Dias (1956) em Carl Fredricksen, o velhinho de Up. Por sua vez, o espírito de Passepartout (Cantinflas), assistente de Fogg, é revivido em parte pelo menino Russell, atrapalhado escudeiro de Fredricksen em sua jornada.
Mas, como nem mesmo os personagens de Jules Verne (autor do romance que inspirou Volta ao Mundo) poderiam imaginar, Fredricksen leva a própria casa na bagagem. A materialização dessa fantasia lembra O Castelo Animado (2004), de Miyazaki, também baseado no princípio da mobilidade surreal de um imóvel.
Outra coluna vertebral da história, relacionada à figura do explorador, vem do romance O Mundo Perdido (1912), de Arthur Conan Doyle, sobre um professor desafiado por um colega a provar sua tese de que uma região da Amazônia ainda abrigaria seres pré-históricos.
Primeiro filme de animação a abrir (em versão 3D) o Festival de Cannes, Up não é propriamente infantil. O conceito que o orienta é o de "filme para a família", muito bem trabalhado pela produtora Pixar antes mesmo de sua incorporação pelo grupo Disney, sempre empenhado na formatação de produtos para consumo simultâneo de crianças e adultos.
Aqui, a habitual excelência da Pixar em animação digital é coordenada pelos diretores e roteiristas Pete Docter (diretor de Monstros S.A. e argumentista de Wall-E) e Bob Peterson (roteirista de Procurando Nemo), com a colaboração no argumento de Thomas McCarthy, diretor de O Agente da Estação (2003).
As lágrimas que o menino da pré-estreia avisou que derramaria, sem culpa, a partir de hoje talvez venham com mais intensidade dos adultos da sala.
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