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Num momento-chave da comédia romântica Coincidências do Amor (veja horários das sessões; atenção a data de validade da programação em cinza) entra em cena o clássico pop de Madonna "Papa, don't preach". Na música, uma adolescente grávida conta a notícia ao pai e pede "Papai, não me passe um sermão (...) Eu já resolvi, vou ter o bebê". Curiosamente, a música é tocada numa festa em que uma das personagens centrais comemora a sua inseminação artificial que acontecerá minutos depois.
A presença da música é uma ironia, pois a personagem está beirando a casa dos 40, não encontrou o suposto homem certo para ser o pai de seu filho e apelou para um doador não-anônimo. Ao contrário da pobre adolescente cantada por Madonna, Kassie (Jennifer Aniston, a eterna Rachel de "Friends") não precisa temer a bronca do pai com a gravidez indesejada, e tem meios para sustentar seu filho.
A única pessoa a ralhar com ela é seu melhor amigo, Wally (Jason Bateman, de "Juno"), que não se conforma por não poder ser o doador de esperma. A explicação de Kassie: "somos amigos demais". Por não querer recorrer a um banco e ter um pai anônimo para seu filho, ela acaba contratando Roland (Patrick Wilson, de "Watchmen"), professor universitário boa praça, mas sem dinheiro, e casado, cuja mulher concorda totalmente com a doação.
Mas por uma infelicidade, Wally derruba acidentalmente na pia o sêmen que Roland depositou num potinho e o substitui pelo seu. E Kassie engravida sem saber que o pai é o seu melhor amigo. Mas ele também não se lembra do acidente daquela noite pois misturou remédio com bebida.
"Coincidências do Amor" pode parecer tanto uma comédia escatológica, quanto mais um das dezenas de comédias românticas que Jennifer Aniston protagonizou. A surpresa é que o filme não é nenhuma das duas coisas. Primeiro porque Kassie não é a protagonista, e segundo porque Bateman está muito bem no papel do sujeito neurótico cuja vida vira de pernas para o ar quando a amiga volta para Nova York com o filho de 7 anos - e nenhum deles sabe que Wally é o pai.
O filme é baseado no conto "Baster", publicado na década de 1990, na revista "New Yorker", e escrito pelo norte-americano Jeffrey Eugenides - autor de "As Virgens Suicidas", que deu origem ao filme homônimo de Sofia Coppola, lançado em 2000. Se no filme de Sofia a trama era bastante fiel ao livro, aqui o texto do escritor serve apenas de pretexto e o filme segue caminhos bastante diferentes.
Em seus contos e romances Eugenides costumava ter uma visão masculina sobre o mundo feminino. Em "Middlesex", por exemplo, romance ganhador do Pulitzer em 2003, o protagonista é um hermafrodita que começa o livro menina e termina homem. No universo do escritor, a mulher é um mistério a ser decifrado por narradores confusos, inseguros. Não é diferente em "Coincidências do Amor", no qual Wally tem dificuldades em compreender as decisões de Kassie, mas ainda assim, fica ao seu lado.
Dirigido por Josh Gordon e Will Speck, o filme, às vezes, confia demais no pequeno Thomas Robinson, que interpreta Sebastian, filho de Kassie. O garoto, embora não se pareça nada fisicamente com Wally, tem os mesmos trejeitos e neuroses do personagem de Bateman. Os laços de amizade nascem entre eles de forma natural, ao contrário daqueles que Kassie tenta forçar entre o menino e aquele que ela julga ser seu pai, Roland.
"Coincidências do Amor" reforça que a família de verdade é aquela que escolhemos, independentemente dos laços biológicos. Coincidentemente, no caso de Kassie, Sebastian e Wally o destino prega peças e o resultado das reviravoltas é conveniente. Ainda assim, o filme é um pequeno milagre, raro, mas possível, ao mostrar que Aniston é capaz de escolher projetos melhores que os últimos filmes em que trabalhou. Ao fazer Kassie, ela não sai de sua zona de conforto, mas é capaz de mostrar algum talento, num filme que não agride a inteligência, embora se esforce para arrancar lágrimas desnecessárias.
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