É difícil responder à pergunta "que peça você recomenda no festival?" Mas um gênero que pode ser indicado, sem dúvidas, é o de peças apaixonadas. São trabalhos que partem de muita pesquisa e um ideal, como Memórias Torturadas A Ditadura e o Cárcere no Paraná. A proposta partiu do ator Gehad Hajar, que também é pesquisador e estudou Direito, Ciência Política e Pedagogia. Incomodado com uma enquete realizada em 2006 em que Curitiba mostrou ter o maior número de jovens brasileiros que desejam o retorno da ditadura militar, ele resolveu buscar histórias reais que jogassem luz sobre as agressões praticadas durante os anos de chumbo no Paraná. "É um tema que nunca foi trabalhado. É como se não tivesse acontecido", disse Hajar à Gazeta do Povo.
VÍDEO: Assista a cenas da peça e entrevistas com o elenco
A pesquisa começou no Arquivo Público do Estado, onde estão documentos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Hajar também pesquisou em edições da época da Gazeta do Povo e no livro Memórias Torturadas e "Alegres" de um Preso Político, de Ildeu Manso Vieira.
"Fui o primeiro a abrir algumas daquelas pastas e vi um material riquíssimo. Inclusive documentos que provam que Che Guevara passou por Curitiba."
Essa e outras informações foram sendo incluídas na trama, que se passa no único lugar julgado pela equipe como adequado: o Presídio do Ahú, por cujas celas passaram presos políticos na década de 70 durante a Operação Marumby, braço da Operação Condor aliança de regimes militares na América do Sul para eliminar adversários políticos no Paraná. Pela prisão desativada em 2006 já passaram os elencos da série O Astro, dos longas-metragens 400 contra 1 e Estômago e do curta A Fábrica.
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O cenário e o horário escolhido (meia-noite) se somam para compor o clima de medo e mistério da peça, que começa ainda do lado de fora do presídio. Ao entrar pelos corredores gelados, o público ouvirá um áudio que remete à alma de um dos presos-narradores.
Dos torturados pesquisados, foram selecionados quatro como personagens. Ildeu, interpretado por Carlos Vilas Boas, foi preso no Ahú junto com o filho, adolescente de 17 anos. Os outros são Jodat Nicolas Kury (Paulo Ney), Jacob Schmidt (Martin Esteche) e Diogo Affonso Gimenez (Ricardo Alberti), estivador que teve papel relevante na comunidade formada na prisão. O elenco se completa com Ithamar Kirchner, que faz um carcereiro.
A maior parte dos diálogos se dá em três celas situadas numa galeria no terceiro andar do presídio. Nesses cubículos, o artista plástico Gustavo Krelling criou interferências a partir de objetos encontrados ali mesmo pela produção do espetáculo uma cadeira, documentos, um urinol, e cadernos estampados com o rosto de Cristo.
Nas paredes, ele gravou o nome dos encarcerados, assim como palavras de ordem e outras referências. "A cadeia já é um espaço muito cenográfico. Não quis mexer muito. Me inspirei na obra de Artur Barrio, português que se definiu como marginal e usava muito carvão, cordas e objetos assim."
Não há cenas de agressão, apenas relatos verbais. A tortura era proibida no Ahú o que não impedia que os presos fossem levados para apanhar em outros locais. Um dos assuntos debatidos pelos personagens e garimpado por Gehad nos documentos de época é a concentração de forças rebeldes contrárias à ditadura no Oeste do Paraná, guerrilha em formação desmantelada após delação.
Curitiba, capital do Brasil? Esse fato, ocorrido durante quatro dias em 1969, também é abordado. O grande interesse pelo tema por parte dos 32 membros da equipe faz de Memórias Torturadas uma peça apaixonada. "Coloquei no meu currículo que já lavei chão de cadeia", brinca a coordenadora de produção, Beth Capponi.
Serviço:
Memórias Torturadas A Ditadura e o Cárcere no Paraná. Presídio do Ahú entrada pelo portão grande (Av. Anita Garibaldi, 750 Ahú), (41) 8414-8416 e (41) 9633-7169. Dias 29, 30 e 31 de março e 5, 6 e 7 de abril, às 23h59. Classificação indicativa: 16 anos. R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada, mais R$ 3 de taxa de coveniência).
Cultura e Lazer | 2:39
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