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Maior galã do cinema brasileiro dos anos 1940 e 50, diretor do único filme nacional a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes, alvo de críticas incessantes dos diretores do Cinema Novo - o ator, roteirista e cineasta Anselmo Duarte conheceu a glória e a amargura em sua vitoriosa mas turbulenta carreira, que se encerrou neste sábado (7), com sua morte, provocada por um acidente vascular cerebral, aos 89 anos, em São Paulo.

Ele foi internado no dia 16 de outubro no Hospital Universitário da USP com um quadro grave: insuficiência renal, isquemia do miocárdio e anemia causada por infecção urinária. Dois dias depois, foi transferido para o InCor e, de lá, para o Hospital das Clínicas. O enterro será realizado neste domingo, no Cemitério da Saudade, em Salto (SP).

Anselmo Duarte não filmava desde 1979, quando dirigiu Os Trombadinhas, filme produzido e interpretado por Pelé. A partir dali, preferiu ficar longe do cinema, vivendo um exílio voluntário. "A inveja pela Palma de Ouro desencadeou um processo de aniquilamento, iniciado pelo pessoal do Cinema Novo e que fez com que me sentisse sem ambiente no Brasil", comentou ele, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 1999. Na época, com disposição e saúde, sonhava que investidores estrangeiros bancassem um velho argumento seu, Messias, o Mensageiro, uma paródia contemporânea do Evangelho no qual o carteiro Messias é filho da lavadeira Maria e do carpinteiro José.

Dono de uma franqueza que beirava a rudeza, Duarte era, no entanto, um exímio contador de histórias, colecionadas em uma longa carreira, iniciada em 1947, quando, descoberto por um caçador de talentos, estreou no filme Querida Suzana, do italiano Alberto Pieralisi, que gostou do seu jeito de homem simples, semelhante ao de Marcello Mastroianni.

Nascido na cidade paulista de Salto, em 21 de abril de 1920, Anselmo Duarte Bento já se interessava por cinema desde a infância, quando assistia filmes mudos na sala na qual seu irmão mais velho era projecionista. Como em Cinema Paradiso, os dois roubavam fotogramas dos longas exibidos no cinema da cidade e montavam seus próprios, exibindo-os em um projetor caseiro, feito com lata de óleo vazia, uma lâmpada e os óculos da mãe como lente.

Trabalhou como datilógrafo em uma editora e aprendeu dança de salão até conseguir uma participação (não creditada) no documentário It’s All True, que Orson Welles dirigiu no Rio, em 1941. Seis anos depois, a contragosto, fez teste para Querida Suzana, conquistando um papel e iniciando sua carreira de galã, também contra a vontade - segundo ele, seus interesses eram mais "nobres".

Logo seu nome uniu-se a experiências tão distintas como os estúdios Atlântida e Vera Cruz. No primeiro, participou de filmes como A Sombra da Outra, Carnaval em Fogo (ambos de 1949) e Aviso aos Navegantes (1950), sob a direção de Watson Macedo. Em 1952, contratado pela Vera Cruz, solidificou a fama de galã ao estrelar Tico-Tico no Fubá, no mesmo ano, e Sinhá Moça (1953) A disposição de dirigir, no entanto, era maior e, depois de registrar os bastidores de Arara Vermelha (1957), investiu os próprios recursos em na comédia Absolutamente Certo!, também em 1957. Graças ao sucesso do filme, foi para a Europa disposto a estudar cinema. Lá, chegou a atuar em filmes em Portugal e na Espanha.

De volta ao Brasil, interessou-se pela peça de Dias Gomes, O Pagador de Promessas, e a transformou em filme, em 1962. Foi a consagração: além da Palma de Ouro em Cannes (no qual competiu com O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, e O Eclipse, de Michelangelo Antonioni), foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro. "Quando voltei de Cannes, desfilei em carro aberto e os locutores das rádios saudavam-me como se eu tivesse trazido mais um caneco para o Brasil", disse, em 1997.

O prêmio trouxe também dissabores. "Tudo por causa da inveja", afirmou. "Era o prêmio de cinema mais importante do mundo e eu ganhei. Outros tentaram chegar lá e não conseguiram. Então, usaram a influência que o Cinema Novo tinha na imprensa da época para esculhambar-me. Disseram que era um absurdo o prêmio sair para um filme tão acadêmico, insinuaram que eu havia vencido porque era namorado da Christiane de Rochefort, que na época era assessora de imprensa do festival e tinha considerável influência lá dentro."

Foi o início de uma fase de filmes com más críticas e pouco público. Desgostoso, abandonou o cinema e só voltou a sentir novamente o gosto da fama em 1997, quando foi um dos homenageados do 50º Festival de Cannes. Lá, sentiu-se de fato como um realizador reconhecido.

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