As pessoas saídas da sessão de imprensa de Anticristo, na noite de domingo, estavam em estado de choque. Um número maior do que o habitual ficou até os créditos finais. Ninguém sabia direito o que dizer os repórteres de televisão que procuram opiniões após as exibições tiveram dificuldades de encontrar gente disposta a falar. Muitos riram nervosamente durante a sessão, outros sentiram-se ultrajados, e ainda houve os divididos entre o ódio e o amor ao filme de Lars Von Trier, que inicia lindamente, com um prólogo inesquecível ao som de Händel.
Na trama, Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe formam um casal abalado pela morte do filho, ainda bebê. Culpada, ela está em depressão profunda, que o marido, terapeuta, vai tentar curar, estabelecendo uma relação cada vez mais doentia. Os dois se retiram para uma cabana na floresta, onde a natureza se impõe, em vários sentidos.
A obra do dinamarquês é forte, com trabalhos como Ondas do Destino (1996), Os Idiotas (1998) e Dogville (2003). Mas em Anticristo, não é fácil estabelecer explicações racionais, pois o filme é construído por sensações, parecendo um sonho ou pesadelo, com cenas que não formam um sentido coerente. São pedaços de provocação, que incluem cenas de sexo, violência e mutilação de órgãos sexuais, religiosidade e bruxas. Segundo Von Trier, numa "confissão do diretor" que está no livreto divulgação de Anticristo, o longa-metragem nasceu de uma depressão. Escrever o roteiro foi uma espécie de terapia. "Cenas foram adicionadas por nenhuma razão. Imagens foram compostas livres da lógica ou do pensamento dramatúrgico. Elas com frequência vieram de sonhos que tinha na época, ou sonhos que tive em outros momentos da vida."
Polêmica
Se essa explicação é ou não verdade, não há como saber. Von Trier sempre alimentou as polêmicas, como se comprovou na coletiva de imprensa. A primeira pergunta, de um jornalista inglês, exigia que ele explicasse e justificasse o filme. "Não acho que precise me justificar", afirmou. O repórter não ficou contente: "Você tem, sim. Você está em Cannes, acha que está acima dos demais?". O cineasta retrucou: "Não tenho de me explicar. Eu trabalho para mim, não penso no público. Vocês são meus convidados aqui, não o contrário".
Logo em seguida, contou como seleciona seu projeto da vez. "Eu não tenho escolha, acho que é a mão de Deus", afirmou Von Trier, ateu. "E, sim, eu sou o melhor cineasta do mundo." A ironia não foi bem recebida, o clima de hostilidade continuou. A produtora Meta Louise Foldager afirmou que não se preocupa com a carreira do filme: "Lars sempre foi amado e odiado e continua sendo visto ao redor do mundo. Não vai ser diferente com este". E o cineasta disse que está acostumado a ser maltratado pela imprensa: "Eu gosto. É um bom começo para uma discussão". Não parecia verdade: com as mãos trêmulas, ele estava visivelmente nervoso. Ame-se ou odeie-se, é fato que cada vez mais raramente um cineasta e um filme são capazes de despertar reações tão apaixonadas.
Balanço
Anticristo foi o ápice de um fim de semana marcado pelos competidores intensos e muito violentos. Kinatay, do filipino Brillante Mendoza, revirou estômagos com o sequestro, tortura, estupro e esquartejamento de uma prostituta, exibido em tempo real, sob o olhar de um rapaz que aceitou cometer esses crimes sem saber do que se tratava. É um filme cru, primitivo, sem estilizações. Bem diferente de Vengeance, de Johnnie To, no qual as pessoas, os combates e até as balas das armas, são coreografados, cheios de estilo e humor. Quentin Tarantino, que estava na plateia da sessão de gala, vibrou. Melhor mesmo é Un Prophète, que teve dez minutos de aplausos na sessão de gala e é o preferido dos críticos. O longa-metragem de Jacques Audiard acompanha a trajetória de um garoto árabe de 19 anos que vai preso e é obrigado a ajudar os mafiosos corsos, dentro da cadeia, em vez de se aliar aos muçulmanos. O novato Tahar Rahim é forte candidato ao prêmio de melhor ator.
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