Com 23 anos, jeito adolescente e português vacilante, Antonio Campos será a imagem do Brasil na edição de 2007 do Festival de Cannes. Um Brasil reduzido a uma família de imigrantes em Nova York, onde um adolescente planeja o suicídio, em meio a mais uma briga cotidiana pela falta de dinheiro. Este é o enredo do curta-metragem "The last 15", segundo trabalho do cineasta a participar do mais famoso festival de cinema do mundo, desta vez competindo pela Palma de Ouro em sua categoria.

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O filme é narrado em flashback. Na primeira cena, um adolescente decide matar-se na hora do jantar e arma o alarme do relógio para tocar em 15 minutos, quando a mesa estará posta e a família reunida. Quinze minutos é também o tempo de duração do curta, dirigido, roteirizado e produzido pelo filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes, apresentador do "Manhattan Connection", e de uma americana que trabalha em produção cinematográfica. Antonio Campos está prestes a se formar no curso de cinema da Universidade de Nova York, mora na casa dos pais, mas garante que o clima de pressão financeira não faz parte do cotidiano da sua família.

- "The last 15" foi filmado na casa dos meus pais porque meu orçamento era muito pequeno. Como eu já tinha sido premiado com uma bolsa de estudos no último Festival de Cannes, consegui convencer atores profissionais a trabalharem de graça. Tentei criar uma família na qual todo mundo poderia encontrar a sua conexão. Não planejei fazer filmes sobre falta de dinheiro, mas acabou saindo assim - explica Antonio.

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O filme anterior, "Buy it now", de 2005, é sobre uma menina de 16 anos que resolve vender por US$ 1.500 a própria virgindade no site www.eBay.com. Tudo o que a adolescente quer é comprar uma bolsa Prada. "By it now" era dividido em duas partes: uma narrativa ficcional e outra feita em linguagem de documentário. Havia uma parte roteirizada nos menores detalhes, e outra, não.

Com este roteiro, Antonio ganhou um prêmio de residência em Paris, por cinco meses, da CinéFondation, de Cannes. A temporada em Paris foi compartilhada por outros cinco diretores: o belga Fien Troch, a americana Natasha Feola, o iraniano Babak Jalali, o chileno Sebastian Campos (de "La sagrada familia") e o argentino Aléxis dos Santos (de "Glue"). Com os outros dois latino-americanos, Antonio tem em comum a atenção especial a uma visão do mundo, que se pauta pela mistura de juventude, violência, desesperança e uma certa amoralidade. Uma abordagem do universo estudantil que merece mais e mais atenção da grande mídia nos EUA e na Europa, sobretudo quando a trama envolve jovens de famílias de imigrantes e cineastas formados por grandes universidades americanas e européias.

- O cinema feito para adolescentes não costuma mostrar como eles vêem o mundo hoje. Há hoje uma desconexão muito grande entre a visão dos adolescentes e a visão dos adultos. Num mundo cada vez mais rápido e dominado pela tecnologia, os jovens estão perdendo as suas referências morais. Eu tenho um lado escuro e acho que a adolescência é o momento em que se define o embate com o mundo dos adultos - reconhece Antonio.

Ele nasceu em Nova York, visita com freqüência a família de seu pai em Belo Horizonte, mas não se considera brasileiro e nem americano.

- O único lugar onde eu me sinto em casa é Nova York. O resto dos EUA é muito estranho para mim. E por mais que eu visite o Brasil, não posso dizer que me sinto brasileiro. Se eu tivesse que me definir, diria apenas: "Sou nova-iorquino".

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Ele diz que suas referências cinematográficas são as mais misturadas. Entre os brasileiros, admira Glauber Rocha, Cacá Diegues, Fernando Meirelles e Walter Salles. Também aprecia documentários. Ficou muito impressionado com "Ônibus 174". Mas, para Antonio, ninguém no cinema se compara a Stanley Kubrick.

Enquanto prepara sua participação no Festival de Cannes, que começa dia 16 de maio, Antonio agita a pré-produção de seu próximo filme, desta vez um longa-metragem de ficção que vai se chamar "After school". O roteiro foi escrito nos cinco meses que passou em Paris, de outubro de 2006 a fevereiro de 2007.

- O filme conta a história de um menino de 15 anos que vive num internato americano, está fazendo um vídeo na escola e filma, por acaso, a morte de dois amigos por overdose - comenta o diretor.

Mais um filme de Antonio Campos, mais uma história de adolescente, mais um enredo de violência e desesperança. A maior dificuldade da produção, prevista para ser rodada no segundo semestre, é encontrar uma escola americana que aceite servir de cenário. Os tempos não estão fáceis para quem quer vasculhar a crise existencial dos estudantes americanos numa sociedade cada vez mais competitiva. Ainda mais com algum olhar crítico. É que toda essa violência, como se sabe, passa... bem longe das escolas nos EUA... Não é mesmo?

No festival

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O cardápio brasileiro de longas-metragens na 60ª edição do Festival de Cannes passa longe da competição pela Palma de Ouro, limitando-se a mostras paralelas. A Quinzena dos Realizadores acolheu dois. Um é "Mutum", versão de Sandra Kogut para o livro "Manuelzão e Miguilim", de João Guimarães Rosa. O outro: "O estado do mundo", produção portuguesa, em episódios, assinada por diretores de diferentes nacionalidades, entre eles o carioca Vicente Ferraz, do premiado documentário "Soy Cuba - O mamute siberiano". Ferraz assina o episódio "Germano", ambientado na Baía da Guanabara.

Já a Semana da Crítica escalou "A via-láctea", de Lina Chamie (de "Tônica dominante"). Estrelado por Marco Ricca e Alice Braga, o projeto narra uma história de amor que se relaciona com as contradições sociais de São Paulo. A Semana da Crítica também deu vez a dois curtas-metragens nativos: "Saliva", de Esmir Filho, e "Um ramo", de Juliana Rojas e Marco Dutra. Cannes vai exibir ainda uma cópia restaurada de "Limite" (1931), de Mario Peixoto.

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