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Literatura e cinema, embora caminhem juntos desde os primórdios da sétima arte, nem sempre formam um casal feliz. São incontáveis os exemplos de bons livros que, ao serem transpostos para a tela grande, acabam banalizados, perdendo transcendência e complexidade. Mas há, também, adaptações notáveis, que conseguem traduzir em imagens a prosa elaborada de seus escritores. Entre os casos mais recentes, vale citar As Horas, romance do norte-americano Michael Cunningham que ganhou uma vigorosa versão cinematográfica pelas mãos do britânico Stephen Daldry (de Billy Elliot). No cinema nacional, são dignas de nota as brilhantes transposições dos livros Cidade de Deus, romance de Paulo Lins filmado em 2002 por Fernando Meirelles, e Lavoura Arcaica, obra de Raduan Nassar que virou filme há quatro anos sob a batuta de Luiz Fernando Carvalho.

Mais conhecido por seus trabalhos na televisão – sobretudo a novela Rei do Gado e as minisséries Os Maias e Hoje É Dia de Maria –, Carvalho conseguiu o que muitos consideravam uma missão impossível: levar para a tela a escritura introspectiva, arrebatada e marcada pelo fluxo do consciente do autor de Um Copo de Cólera e Menina a Caminho. O diretor, apesar de sua pouca experiência no cinema, realizou um dos longas-metragens mais autorais e inventivos dos últimos anos dentro da produção nacional.

O livro de Raduan Nassar retrata uma família de imigrantes libaneses no interior de São Paulo, universo ao qual o escritor também pertence. Não se trata, contudo, de uma saga convencional sobre estrangeiros que atravessam o mundo para "fazer a América". O enfoque do romance é outro, muito menos convencional.

No centro da narrativa está o personagem André (Selton Mello), filho do patriarca vivido brilhantemente por Raul Cortez. O jovem, para desespero da família, abandona a casa paterna movido por um torturante mistério que, pouco a pouco, se revela para o espectador.

A verdade vem à tona quando André, resgatado pelo irmão mais velho (o ótimo Leonardo Medeiros, de Cabra-Cega), retorna ao lar: o rapaz tentou escapar das amarras que o prendiam ao clã porque já não suportava a autoridade excessiva do pai sobre ele e o irmãos e, principalmente, para fugir da irrefreável paixão que nutre, em segredo, por uma das irmãs (a curitibana Simone Spoladore, em marcante atuação).

A belíssima fotografia de Walter Carvalho, que consegue imprimir ao filme tons de claro e escuro, torturantes e introspectivos, se alia a uma narrativa nada convencinal, que, a exemplo do livro de Nassar, foge da linearidade. Misturam presente e passado, realidade e delírio. Outro ponto alto é a trilha sonora de Marco Antônio Guimarães, que jamais confere à trama, que facilmente poderia descambar, devido à temática, para o melodradama excessivo, uma dramaticidade contida, latente.

Luiz Fernando Carvalho consegue, enfim, aliar rigor estético a uma segurança surpreendente na construção de uma história complexa e densa. Tem a seu serviço um elenco de primeira, no qual vale destacar, ainda, Juliana Carneiro da Cunha, excelente no papel da mãe protetora, sofredora e silenciosa. Tudo isso faz de Lavoura Arcaica uma obra-prima do cinema brasileiro recente, única nos mais diversos aspectos e que agora, quatro anos depois de seu lançamento nos cinemas, chega ao mercado de DVD, para desfrutar de uma nova – e, espera-se, mais longa – vida junto ao público, que merece descobri-la. GGGGG

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